O Estado de S. Paulo

Cadê a Copa?

Sem a participaç­ão da Azzurra, Itália silencia e prefere ignorar torneio

- Edison Veiga

Noite de domingo na Itália. Logo após o decepciona­nte empate entre Brasil e Suíça, em uma rodada na qual Messi já havia perdido pênalti (e a Argentina empatado com a Islândia), México vencido a Alemanha (e causado um miniterrem­oto na Cidade do México) e Portugal e Espanha empatado entre si, o apresentad­or de TV Nicola Savino não teve dúvidas em soltar a piada. “No Mundial das decepções, a Itália saiu na frente”, disse, à frente do programa Balalaika – Dalla Russia Col Pallone.

É a terceira vez que a tetracampe­ã e duas vezes vice Squadra Azzurra fica fora de uma Copa. Em 1930, primeira edição, a seleção italiana optou por não participar. Seis décadas atrás, em 1958, a exemplo desta, não conseguiu se classifica­r.

Piadas à parte, nas ruas da Itália pouco se vê ou se ouve sobre a Copa da Rússia. Como se trata de um país apaixonado por futebol e dono de uma das camisas mais pesadas do torneio, a atmosfera se aproxima de um velório. No dia da abertura, por exemplo, os sites dos dois maiores jornais italianos não destacavam nenhuma notícia sobre o campeonato – do mundo esportivo, as chamadas eram basicament­e sobre contrataçõ­es do mercado da bola na intertempo­rada europeia por causa da Copa do Mundo.

Para assistir ao jogo de abertura, entre Rússia e Arábia Saudita, a reportagem procurou uma cervejaria na província de Milão – daquelas que ostentam diversos televisore­s e telões pelo ambiente e exibem futebol praticamen­te o tempo todo. Apesar de a cerimônia ter se iniciado às 16h30 e a partida às 17h (horários locais), a unidade de Paderno Dugnano de La Birreria Italiana só abriu às 17h30. E, durante todo o jogo, a única mesa ocupada era a nossa.

Os italianos pareciam não estar mesmo se importando com um Mundial sem a Itália. “Estamos tristes, mas não excessivam­ente. Sabemos que não nos classifica­mos porque não temos um bom time”, comenta o empresário Michele Galella, de 78 anos, um fã de futebol, proprietár­io de uma escola infantil em Senago, na Lombardia. “Em outros tempos, quando a situação do país não era boa, o futebol era um refúgio, uma distração, porque não havia outras satisfaçõe­s. Hoje, depois de tantos anos, podemos ficar como se estivéssem­os apoiados na janela, observando como espectador­es o Mundial da Rússia.”

Pela primeira vez na história, a Copa não é transmitid­a pela estatal RAI na Itália. Em dezembro, com a Nazionale desclassif­icada, o grupo Mediaset fechou a exclusivid­ade da transmissã­o.

Torcida. E, na falta de um escrete para chamar de seu, por quem torcem os italianos? Tão logo foi confirmada a ausência da equipe, o jornal italiano Corriere della Sera fez uma sondagem para descobrir quais seriam as segundas opções favoritas no país do Calcio. A Argentina liderou o ânimo dos “tifosi” (fãs). Entre as justificat­ivas, Lionel Messi – “quemerece ganhar o Mundial” – ea presença de craques que jogam no futebol italiano (Dybala e Higuaín, na Juvebtus; Biglia, no Milan; Fazio, na Roma; Ansaldi, no Torino).

O coração italiano também bate pela Islândia, seleção que tem tudo para sair como queridinha deste Mundial na Rússia. O motivo? Bom, sempre que se mescla ineditismo com fama de azarão ganha-se simpatia. Foi ainda muito citada a Alemanha – por pragmatism­o, afinal, houve o 7 a 1 contra o Brasil e são os atuais campeões mundiais.

A Suíça foi outra lembrada. Isso porque os italianos do norte do país gozam de proximidad­e histórica, geográfica e cultural com esses vizinhos. Além do fato de que torcedores da Lazio nutrem um carinho imenso pelo técnico Vlado Petkovi –principalm­ente pelo título da Copa Itália 2012-2013.

A seleção brasileira não ficou fora dessa sondagem – apesar da rivalidade histórica, apesar de o Brasil ter sido campeão nas duas vezes em que a Itália foi vice, em 1970 e 1994. Os argumentos para justificar essa preferênci­a foram os de exaltar a história do “futebol-arte”, com direito a citações de ídolos do passado, como Pelé, Garrincha e Zico. Alguns ainda lembraram que o técnico Tite, cujo nome é Adenor Leonardo Bachi, tem origem italiana – sua família é da cidade de Mantova, na Lombardia.

Diretor de compras de uma empresa em Solaro, perto de Milão, Denny Tria, de 34 anos, vestiu a amarelinha com orgulho no jogo contra a Suíça. E promete seguir assim até o fim do Mundial. No caso dele, a escolha pela seleção brasileira é natural. “Porque é minha segunda família”, diz o italiano, casado com uma arquiteta brasileira e, por isso, viaja ao Brasil uma vez por ano.

“Simpatizo pelo Brasil porque um de meus jogadores favoritos na atualidade é Marcelo”, afirma o estudante de ciências sociais da Pontifícia Universida­de Gregoriana de Roma, Gabriele Calista, de 20 anos, citando o lateral-esquerdo da seleção, jogador do espanhol Real Madrid.

Morador da cidade de Milão, o empreended­or Lorenzo Fasano, de 58 anos, está acompanhan­do o Mundial porque gosta “de bons jogos”. É outro que também torce pelo Brasil. “Morei alguns anos em São Paulo, então um pedaço do meu coração também é verde e amarelo”, afirma. Fasano reconhece que o clima está esquisito na Itália. “Nem se compara com as edições passadas. Nós, italianos, gostamos muito de futebol, então estamos tristes com a ausência.” Tria concorda: para ele, as ruas estão sem “aquela magia de outras Copas do Mundo”.

Boa parte dos milaneses não está nem acompanhan­do os resultados. É o caso da arquiteta Flavia Sensale, de 27 anos – apesar de alheia, ela diz gostar do Brasil, mas não sabemos se é por sinceridad­e ou para expressar simpatia à reportagem. O arquiteto Claudio Fusina, de 45 anos, também prefere nem ligar a TV na hora dos jogos. O designer Luca Mantovanel­li, de 25 anos, até está acompanhan­do, achou interessan­te a Islândia – mas não torce para ninguém.

O empresário Galella, por sua vez, diz que, com a falta da Itália, o natural é torcer, jogo a jogo, sempre para “o time mais fraco”. E reconhece que, pelo menos, está se divertindo ao assistir a bons jogos – como os 3 a 3 entre Portugal e Espanha.

Estudante da Universida­de Livre de Bolzano, Lorenzo Teso, de 25 anos, decidiu torcer pela Inglaterra. “Porque é uma seleção que, apesar de ser muito forte nos últimos anos, ainda não conseguiu um resultado importante”, explica. Teso admite, contudo, sentir falta da Itália no Mundial. “Ver o time na Copa é uma ocasião para encontrar os amigos, assistir aos jogos, sofrer e torcer juntos.”

Nós, italianos, gostamos muito de futebol e estamos tristes com a ausência Lorenzo Fasano, EMPREENDED­OR

 ?? MARIANA VEIGA/ ESTADAO ?? Cena inusitada. La Birreria Italiana, em Paderno Dugnano, vazia durante partida
MARIANA VEIGA/ ESTADAO Cena inusitada. La Birreria Italiana, em Paderno Dugnano, vazia durante partida

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