Antero Greco
Se não se sentem em condições, jogadores e jornalistas devem declinar da convocação.
Jornalista e jogador que participam de Copa têm alguns pontos em comum. Ficam fora de casa, alteram a rotina, encaram a impessoalidade de quartos de hotéis, enfrentam fuso horário, cultura, clima, paisagem diferentes e são cobrados a atuar de maneira impecável, independentemente de dificuldades a enfrentar. Exceto um ou outro afortunado da mídia, a diferença fica nos salários. Que diferença! Faltam zeros nos contracheques da turma de caneta e computador. Nesse quesito, não dá pra imaginar duelo com a rapaziada de chuteiras...
A referência a profissões que exigem empenho e provocam desgaste não é para afirmar que esta ou aquela se revele mais árdua ou séria. Mas tentativa de mostrar que, diante do desafio extraordinário como o de um Mundial, se espera que os escolhidos, em ambos os lados do balcão, estejam preparados para superar pressão. Por isso conquistaram a confiança de seus chefes. Repórter tem obrigação de mandar textos bem apurados e bem escritos dentro dos horários estabelecidos. Não importa se foi fácil ou difícil executar a tarefa; o lema das redações é este: “Vire-se”. Atleta da seleção carrega o peso de representar o lado esportivo (e muitas vezes mais do que isso) de um país. Responsabilidade maior, se o uniforme tiver bordadas cinco estrelas.
Resumo da ópera: jornalista não tem de reclamar diante dos percalços nem boleiro chorar as pitangas, se os rivais criam empecilhos. Se não se sentem em condições de dar conta do recado, devem declinar da honraria no dia da convocação. Leitor quer notícia, torcedor espera por gols.
Deus me livre de achar que se tratam de máquinas, desprovidas de angústias, falhas e receios. Ou de deuses imunes a dor de barriga e insônia. Antes, é um incentivo para quem já provou competência. Caso, por exemplo, de Neymar, para ficar nas quatro linhas e deixar a mídia em segundo plano. O rapaz viveu período de incerteza, após a fratura e a cirurgia no pé. A presença na Rússia não chegou a ficar comprometida; no entanto, se percebe até agora que não recuperou o nível de jogo anterior ao infortúnio. As limitações sobressaíram na estreia discreta contra a Suíça e diminuíram, sem desaparecer, na vitória de sexta em cima da Costa Rica. Neymar ainda não se soltou como o desejado, embora a tendência seja a de ascensão à medida que o torneio avance – e o Brasil idem. Tite aposta na evolução do principal artista da amarelinha.
Chama a atenção a ansiedade. Não sei se por vaidade, temperamento, costume ou algum sentimento muito pessoal. Mas Neymar anda irritadiço. Reclamou demais anteontem, tomou amarelo por birra e flertou com a expulsão. E chiou com críticas, algumas intensas, mas previsíveis para o principal jogador. É o ônus da fama.
É possível alegar “Ah, mas ele é assim mesmo, contraproducente modificá-lo. Telê domou Serginho, na Copa de 82; o estouvado atacante foi um santo e jogou pouco.” Não se pede que Neymar vire fantoche sem iniciativa. Porém, não custa colocar na cabeça dele que certas atitudes trarão benefício, se evitadas: bater boca com juiz, xingar adversários, prender a bola, simular pênalti.
Não se deseja vê-lo tomar advertências e botinadas. Tem tudo para ser decisivo, se jogar futebol, que sabe muito. Numa hora destas faz falta um Zito, um Dunga, que enquadravam Pelé, Romário ou Bebeto com autoridade. E eram respeitados!
Para não ser injusto, obrigatório fechar a crônica com elogio a quem merece: Philippe Coutinho, até agora o melhor da seleção. O mais inteiro, ligado, ágil, inteligente e atrevido da companhia verde-amarela. Dribla, passa, se desloca, marca, faz lançamentos e gols (2). Não atrai holofotes como Neymar; com discrição assume papel de protagonista.
✽ COLUNISTA DO ‘ESTADÃO’ E COMENTARISTA DA ESPN