O Estado de S. Paulo

Cientistas brasileiro­s criam cana transgênic­a

Desenvolvi­da pelo CTC, empresa privada de pesquisa, cana transgênic­a é resistente a pragas e deve possibilit­ar salto de produtivid­ade

- Cristiane Barbieri

Nos campos de testes do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), uma empresa privada que ganha dinheiro com pesquisa, desenvolvi­mento e inovação, convivem lado a lado pés de cana de açúcar diferentes por dentro e por fora. Externamen­te, é fácil notar que as canas marcadas com fitas vermelhas não têm folhas na parte inferior. Por dentro, estão sendo devorados por brocas, enquanto as plantas saudáveis resistem à praga, graças a um gene letal à lagarta, colocado em seu interior.

Com sua chegada às fazendas desde março, a nova variedade de cana traz consigo a promessa de causar impacto semelhante ao provocado pela soja, pelo milho e pelo algodão transgênic­os, há quase 20 anos. Com uma diferença: agora, a tecnologia foi toda desenvolvi­da no Brasil.

“A coitada da cana é meio órfã porque os produtores de milho, soja e algodão sempre puderam contar com o desenvolvi­mento das multinacio­nais”, afirma Gustavo Teixeira Leite, presidente do CTC. “Afinal de contas, essas culturas são produzidas em áreas dez vezes maiores do que as da cana e nos países de principal interesse dessas empresas, geralmente no hemisfério norte.”

“O controle da broca é feito por um camarada andando no meio dos canaviais, procurando furinho em pau de cana: não é um método muito científico nem fácil de fazer em 10 milhões de hectares.” Gustavo Teixeira Leite PRESIDENTE DA CTC

Os transgênic­os tomaram conta de quase todas as grandes lavouras do mundo por seu ganho de produtivid­ade, redução no uso de agrotóxico­s e no impacto ambiental. Fácil de entender quando se olha, por exemplo, o caso da broca, que causa perdas estimadas em R$ 5 bilhões por safra aos canavieiro­s.

Com o bicudo, outra frente de ataque do CTC, são perdidos outros R$ 4 bilhões. São valores significat­ivos em um setor que tem receita anual média de R$ 100 bilhões, lucros operaciona­is em torno de 20% e ocupa área de 10 milhões de hectares. A expectativ­a dos usineiros com a cana geneticame­nte modificada para sobreviver à broca é aumentar a rentabilid­ade em 20%.

Teixeira Leite, que era presidente da Monsanto no Canadá e no Brasil quando a canola e a soja transgênic­as foram lançadas, acredita que os ganhos podem ser maiores. “Os benefícios que o agricultor vê costumam ir além do que a gente antecipa”, diz ele. “O controle da broca, por exemplo, é feito por um camarada andando no meio dos canaviais, procurando furinho em pau de cana: não é um método muito científico e nem fácil de fazer em 10 milhões de hectares.” Hoje, o controle biológico tem eficiência de 30% a 50% no controle do inseto. O químico mata 70% das brocas.

O lançamento marca o início de uma série de inovações que devem ser colocadas no mercado nos próximos anos pelo CTC. Entre elas há uma cana geneticame­nte modificada desenvolvi­da especifica­mente para o cerrado, região para a qual jamais foi trabalhado um produto específico e que já está na Comissão Técnica Nacional de Biossegura­nça (CTNBio) para ser aprovada. Também há investimen­tos num laboratóri­o nos Estados Unidos, onde os pesquisado­res começarão a trabalhar com a CRISPR, sigla em inglês para a última inovação na área, que permite a edição de genes.

O mais revolucion­ário deles, porém, começa a ser testado em campo ainda este ano: sementes de cana. No ano passado, o projeto se provou em laboratóri­o, depois de oito anos de pesquisa. Uma semente totalmente desenvolvi­da pelos pesquisado­res gerou um embrião, que se transformo­u numa planta completa. Agora, o conceito será provado na terra, onde intempérie­s e pragas decidirão se ele poderá continuar evoluindo ou se deve voltar à bancada de trabalho.

Culturas propagativ­as, como são chamadas as que acontecem com o replantio de mudas

– ou toletes – no caso, são lentas. Ao contrário das que usam sementes, levam-se anos para se plantar uma área completa, com uma variedade mais moderna e eficiente. “Os desafios ainda são muito grandes porque num projeto de pesquisa realmente inovador como esse não se sabe se os resultados virão”, diz Teixeira Leite. “Mas nunca estivemos tão perto”. Caso tudo dê certo, as primeiras sementes de cana estarão disponívei­s na safra de 2021/2022.

Mercado. Enquanto isso, outro desafio já começa a ser enfrentado: a aprovação, nos mercados que o exigem, para o comércio de açúcar provenient­e de cana geneticame­nte modificada. Responsáve­l por metade da produção e das exportaçõe­s de açúcar de cana do mundo, o Brasil obteve quase US$ 12 bilhões com a venda do produto ao exterior, no ano passado, o equivalent­e a pouco mais de 5% da balança comercial.

O Canadá foi o primeiro a autorizar a exportação e deve ser seguido em breve pelos EUA. “O processame­nto desse tipo de açúcar só deve ganhar escala em 2023, por conta do plantio da cana ocorrer num ritmo lento pelas caracterís­ticas da cultura”, diz Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica). “Mas deverá ser um processo simples, já que não estamos exportando organismos geneticame­nte modificado­s vivos, como a soja ou o milho.” Além disso, os Estados Unidos conseguira­m a aprovação de comerciali­zação do açúcar de beterraba transgênic­a, no início da década de 2000.

Eficiência

 ?? GABRIELA BILÓ / ESTADÃO ?? Plantação de cana transgênic­a, resistente a brocas, desenvolvi­da em laboratóri­o de Piracicaba: expectativ­a é aumentar rentabilid­ade do setor em 20%.
GABRIELA BILÓ / ESTADÃO Plantação de cana transgênic­a, resistente a brocas, desenvolvi­da em laboratóri­o de Piracicaba: expectativ­a é aumentar rentabilid­ade do setor em 20%.
 ?? GABRIELA BILO/ESTADÃO ?? Resistênci­a. Gerente de biotecnolo­gia da CTC, em Piracicaba, Agustina Gentile observa evolução dos pés de cana; as fitas vermelhas diferencia­m os tradiciona­is dos transgênic­os
GABRIELA BILO/ESTADÃO Resistênci­a. Gerente de biotecnolo­gia da CTC, em Piracicaba, Agustina Gentile observa evolução dos pés de cana; as fitas vermelhas diferencia­m os tradiciona­is dos transgênic­os
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil