O Estado de S. Paulo

Tá Russo! Na coluna de Marcio Dolzan, uma Rússia cheia de ‘canarinhos pistolas’

Muito além do Canarinho Pistola

- Marcio Dolzan

Um dos grandes momentos da Copa do Mundo de 2014 antecedeu a competição no Brasil e entrou para a história do nosso futebol. Após a CBF terminar uma ampla reforma das instalaçõe­s da Granja Comary e inaugurar uma moderna sede na Barra da Tijuca, o então coordenado­r técnico da seleção, Carlos Alberto Parreira, deu uma declaração que se tornou célebre, talvez mais célebre até que as bem traçadas linhas da dona Lúcia (será que ela vai escrever de novo este ano?). Disse o Parreira: “A CBF é um exemplo para o Brasil. É o Brasil que deu certo, que dá certo”.

O que se sucederia na última semana daquela Copa do Mundo com a seleção, e nos quatro anos seguintes com alguns de seus cartolas, não ajudaram muito a confirmar a opinião do treinador tetracampe­ão do mundo, mas alguns ajustes naquela declaração hoje poderiam fazer um pouco mais de sentido. “O Canarinho Pistola é a CBF que deu certo” tem pouco espaço para contestaçã­o. O mascote é idolatrado por onde passa e amado nas redes sociais pelos inúmeros memes que origina sem muito esforço. Por isso acho que “o Canarinho Pistola é a CBF que deu certo” pode ser dito sem muito risco de ser derrubado pela História. Bom, pelo menos até ele se envolver em alguma confusão. Pode acontecer, inclusive em restaurant­es russos.

Todo esse preâmbulo é para dizer que esta Copa do Mundo é rica em personagen­s pistolas – ou seja, irritadiço­s – fora dos gramados. Ela vai muito além do nosso Canarinho.

O cidadão russo médio com mais de 40 anos, por exemplo, é um pistola nato com sua seleção. Mesmo que ela tenha vencido as duas primeiras partidas da Copa do Mundo demonstran­do bom futebol, marcando oito gols e sofrendo apenas um, ele não tem a menor perspectiv­a com a equipe. Alguns até torcem contra.

Em São Petersburg­o, perguntei a um taxista o que ele achava da seleção russa e a resposta foi atravessad­a. “Prefiro a seleção de hóquei”, ele me disse. Indaguei, então, se ele não gostava de futebol, mas o taxista me garantiu que gostava sim, e que inclusive adora ver a seleção brasileira em campo (ele não deve ter assistido Brasil x Suíça). Eu quis saber então onde estava o problema com a seleção da Rússia. A resposta: “Ela compra jogadores. No dia que ela for uma seleção russa de verdade, volto a torcer”. Por “compra jogadores”, entenda “usa jogadores naturaliza­dos ou jogadores russos que atuam fora do país”. O lateral direito Mario Fernandes é brasileiro e tem cidadania russa. O goleiro Gabulov atua no futebol belga, enquanto o meia Cheryshev disputa a Liga Espanhola. E o russo médio com mais de 40 anos é um cara bastante nacionalis­ta.

Outro personagem pistola foi o mediador da entrevista coletiva com o Thiago Silva e com o Tite, dada na quinta-feira que antecedeu a partida com a Costa Rica.

Aconteceu que um repórter emendou duas perguntas ao técnico Tite. O treinador respondeu uma delas e esqueceu de responder a segunda. O repórter, já sem o microfone, refez a indagação. Ao que o mediador apontou o dedo para ele e lhe lançou um olhar mais fulminante que o contragolp­e do Real Madrid: “Isso aqui é entrevista coletiva, não conversa”. E chamou pelo próximo.

Não satisfeito, o mediador orientou a todos que perguntass­em primeiro para o zagueiro, porque ele iria treinar dali a alguns instantes. Pedido atendido, três repórteres fizeram perguntas ao Thiago. Ao final da terceira, o rapaz não fez cerimônia. Olhou para aquele que seria o capitão do Brasil no dia seguinte e largou um “agora pode ir embora”.

E o Thiago Silva foi mesmo. Afinal, o mediador alertara que não queria saber de conversa.

✽ REPÓRTER DO ‘ESTADÃO’

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TATYANA ZENKOVICH/EFE O que não falta no Mundial são personagen­s irritadiço­s Fala sério! Os russos não são muito de sorrisos

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