O Estado de S. Paulo

8,2 milhões vivem sob risco no País

Habitação. Metade dos brasileiro­s que moram em locais com deslizamen­tos de terra, inundações e enxurradas frequentes está na Região Sudeste, segundo estudo inédito do IBGE. Para especialis­ta, se nada for feito, situação ficará pior com aqueciment­o global

- Roberta Jansen / RIO / COLABORARA­M GIOVANA GIRARDI E MARCO ANTÔNIO DE CARVALHO

Segundo dados do IBGE, Salvador tem 1,2 milhão de pessoas vivendo em áreas de risco, seguida por São Paulo, com 674 mil nessa situação.

Nas fortes chuvas do fim de março, a família da faxineira Carla Renata Lopes do Nascimento, de 30 anos, nem teve tempo de pensar. Ao ver a água subindo debaixo da casa e o chão cedendo na cozinha, ela pegou os filhos e correu. A pontezinha sobre o córrego ao lado do barraco já sumia, e a família conseguiu escapar por um buraco aberto na parede de um vizinho. Moradora da favela do Camarazal, no Rio Pequeno, na zona oeste de São Paulo, Carla Renata é um dos cerca de 674 mil moradores da capital que vivem em áreas de risco, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE).

O estudo coloca São Paulo como o segundo município com mais habitantes vivendo em regiões em que são frequentes deslizamen­tos de terra, inundações e enxurradas, atrás apenas de Salvador (mais informaçõe­s nesta pág.). Procurada, a Prefeitura informou que há na cidade 407 áreas de risco, segundo levantamen­to do Instituto de Pesquisas Tecnológic­as (IPT) de 2010, e que trabalha para atualizar o número de pessoas que moram nesses locais. No País, um total de 8,2 milhões de brasileiro­s vivem em áreas considerad­as de risco para desastres naturais. Os números integram pesquisa inédita do IBGE divulgada ontem em parceria com o Centro Nacional de Monitorame­nto e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Para fazer o levantamen­to, os dois órgãos cruzaram informaçõe­s demográfic­as do último Censo disponível, de 2010, com dados do Cemaden referentes aos 872 municípios com histórico de desastres. O objetivo é prevenir ou mitigar tragédias naturais, identifica­ndo e detalhando as regiões de maior risco e suas vulnerabil­idades.

A Região Sudeste, que teve 308 municípios analisados, apresentou o maior contingent­e populacion­al residindo em áreas de risco: um total de 4,2 milhões de moradores, praticamen­te a metade do número de pessoas em risco em todo o País.

O fato de as capitais e as áreas mais ricas do Brasil estarem listadas como regiões de maior risco de desastres naturais não é contraditó­rio, de acordo com Cláudio Stenner, da Coordenaçã­o de Recursos Naturais e Estudos Ambientais do IBGE. “Isso tem a ver, em primeiro lugar, com o próprio padrão de ocupação do País, pela costa. Salvador, por exemplo, é a cidade mais antiga do Brasil.” Já São Paulo e Minas têm muitas construçõe­s em encostas, mais sujeitas a deslizamen­tos, e em vales, onde é maior o risco de cheia.

Professora da Faculdade de Arquitetur­a e Urbanismo da Universida­de de São Paulo (FAUUSP), Paula Freire Santoro destaca a importânci­a de diversific­ar as políticas de habitação para atacar melhor o problema da falta de moradia, que leva as pessoas a ocuparem áreas de risco. “A situação pode ser contornada como aproveitam­ento de edifícios habitacion­ais em área central, urbanizaçã­o de favelas e regulação do preço do aluguel – se reduzir o preço, menos unidades precisarão ser construída­s.”

A professora explica que é preciso

analisar os diferentes graus de risco a que essas pessoas estão expostas para encaminhar as soluções. “Há riscos mitigáveis, que dá para consertar sem retirá-las. Em outros casos, há

risco imediato à vida ou o custo para uma obra seria inviável.”

Se nada for feito, o problema tende a piorar no futuro, sobretudo na Região Sudeste, por causa do aqueciment­o global. O alerta é do economista e ecologista Sérgio Besserman Vianna. “No Sudeste, vai chover mais e mais forte e o nível do mar vai subir”, diz.

 ?? JF DIORIO / ESTADÃO ?? Abandono. Em março, Carla Renata (c) escapou de uma enchente no Rio Pequeno, em São Paulo, fugindo pelo buraco aberto na parede de um vizinho
JF DIORIO / ESTADÃO Abandono. Em março, Carla Renata (c) escapou de uma enchente no Rio Pequeno, em São Paulo, fugindo pelo buraco aberto na parede de um vizinho

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil