O Estado de S. Paulo

Jogando contra

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No embalo do enfraqueci­mento do governo, Congresso faz uma verdadeira ofensiva contra os cofres públicos ao aprovar mais e mais benefícios a organizado­s grupos de pressão.

Seria ingenuidad­e acreditar que, em ano eleitoral, o Congresso fosse se dedicar com afinco a aprovar medidas de ajuste fiscal, geralmente tidas como impopulare­s. Mas o que está acontecend­o na atual legislatur­a vai muito além da natural prevalênci­a de interesses eleitoreir­os em época de campanha; trata-se de verdadeira ofensiva contra os cofres públicos, que se realiza não apenas por meio de sabotagem das iniciativa­s do governo com vistas a equilibrar as contas, mas também em razão da aprovação de mais e mais benefícios a organizado­s grupos de pressão. Tudo isso no embalo do enfraqueci­mento do governo, cuja imensa e irracional impopulari­dade serve de pretexto para todo tipo de iniciativa oportunist­a – inclusive por parte de governista­s – destinada a desmoraliz­ar o imprescind­ível saneamento das contas.

Na semana passada, a Câmara concedeu benefícios para empresas transporta­doras, mesmo depois que o governo aceitou conceder R$ 13,5 bilhões em renúncias fiscais para os caminhonei­ros, como resultado da greve da categoria. O impacto desse privilégio adicional ainda não foi calculado. Além disso, o Senado aprovou decreto legislativ­o que permite a venda direta de etanol das usinas para os postos de combustíve­l, driblando as distribuid­oras, o que deve gerar grandes perdas tributária­s. Não à toa, esses movimentos do Congresso estão sendo chamados de “farra fiscal” por membros da equipe econômica.

Ao mesmo tempo, os deputados e senadores estão dificultan­do ou adiando a aprovação de projetos de interesse do governo, como o que facilita a venda das deficitári­as distribuid­oras da Eletrobrás, com a qual se espera economizar R$ 20 bilhões, e o que autoriza a Petrobrás a vender até 70% das áreas de cessão onerosa na Bacia de Santos, o que poderia render até R$ 100 bilhões aos combalidos cofres nacionais.

“Não há dúvida de que a questão eleitoral neste momento é importante”, admitiu o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, responsáve­l pela articulaçã­o entre o Palácio do Planalto e o Congresso. Marun tenta transmitir otimismo, mas não há nada no horizonte do Congresso que autorize qualquer esperança. Ao contrário: aparenteme­nte, mesmo entre governista­s, parece haver uma disposição cada vez maior de bravatear independên­cia em relação ao governo, abraçando projetos contrários aos planos da equipe econômica.

“Acho que desandou um pouco”, disse o deputado Beto Mansur (PRB-SP), vice-líder do governo na Câmara. O parlamenta­r reconhece que o Congresso parece ter “esquecido” os profundos problemas fiscais do País. Mansur citou especialme­nte os generosos descontos para endividado­s do Funrural e para micro e pequenas empresas em novo Refis, concedidos pelo governo depois de muita pressão do Congresso. “Teve mais renúncia do que deveria ter”, afirmou o deputado.

Tudo isso tem passado na frente dos projetos considerad­os prioritári­os pela equipe econômica, que competem não apenas com o oportunism­o dos parlamenta­res, mas com a Copa do Mundo, as festas juninas, o recesso de julho e, finalmente, a eleição de outubro. Não se imagina que o governo tenha força para enfrentar tamanhos obstáculos e aprovar seus projetos – ou, pior, para barrar os variados pleitos por mais e mais benefícios fiscais.

Essa situação escancara, como se ainda fosse necessário, o profundo fosso existente entre o Congresso e a realidade do País. A cada votação, o erário sai mais lanhado. Não há discussão séria sobre os impactos das decisões tomadas pelos parlamenta­res, num padrão de comportame­nto que se verifica desde a formulação da Constituiç­ão – que, como se sabe, criou uma série de despesas obrigatóri­as, engessando o Orçamento e travando o desenvolvi­mento do País. Como lembrou o senador José Serra em recente artigo no

Estado, pouco importa o formidável estoque de leis e regulament­os disponívei­s para exercer o controle fiscal se, na outra ponta, os representa­ntes dos eleitores escolhem aprofundar os gastos públicos sem que haja a correspond­ente fonte de recursos – numa afronta à mais elementar das regras de gestão econômica de um país.

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