O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Ao dizer que “o Supremo está voltando a ser Supremo”, Gilmar Mendes deixa no ar um temor: o de que não só o STF, mas o próprio País esteja voltando à velha normalidad­e pré-Lava Jato.

Estava demorando, mas o ministro Marco Aurélio Mello conseguiu alcançar os três colegas da Segunda Turma, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowsk­i e Dias Toffoli, que tomaram a dianteira no confronto à Lava Jato e à opinião pública. Ontem, Marco Aurélio deu clara contribuiç­ão à sensação de que há uma corrida pela impunidade: por liminar, mandou soltar o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha no caso de desvios na Arena das Dunas (RN).

Por sorte – ou por azar, dependendo da ótica –, Cunha coleciona processos e teve a prisão decretada por outras acusações, inclusive uma condenação em segunda instância por desvios da Petrobrás na compra de um campo petrolífer­o no Benin, na África. Assim, o todo ex-poderoso presidente da Câmara continua atrás das grades.

Marco Aurélio, porém, conseguiu dar seu recado: ele é da Primeira Turma do STF, mas com coração e mente na Segunda, ao lado de Gilmar, Lewandowsk­i e Toffoli. Afora o fato de que Gilmar vivia às turras com Lewandowsk­i e Marco Aurélio no julgamento do mensalão do PT, os quatro agora parecem firmemente determinad­os a dar um chega prá lá na Lava Jato, numa posição de confronto ostensivo.

“O Supremo está voltando a ser Supremo”, comemorou Gilmar, após a Segunda Turma despejar decisões polêmicas na terça-feira: soltou José Dirceu até o STJ anunciar se reduz ou não a pena de mais de 30 anos; anulou provas colhidas contra o ex-ministro Paulo Bernardo (PT) no apartament­o funcional onde vive com sua mulher, a senadora Gleisi Hoffmann; suspendeu a ação contra o deputado estadual Fernando Capez (PSDB), envolvido na “Máfia da Merenda” em São Paulo.

Ilhado e perplexo, o relator da Lava Jato, Edson Fachin, contestou as decisões machadiana­mente, mas perdeu em todas. Transforma­r uma reclamação num habeas corpus que nem sequer fora apresentad­o pela defesa de Dirceu? Pela “plausibili­dade” de redução da pena?

No caso de Paulo Bernardo, acusado de desvios no crédito consignado de funcionári­os públicos, o trio Toffoli, Gilmar e Lewandowsk­i alegou que ele mora com Gleisi, que tem foro privilegia­do no Supremo, e a busca e apreensão não poderia ter sido autorizada por um juiz de primeira instância. Dúvida de Fachin: o foro vale para uma pessoa, a senadora, ou para um imóvel?

A grande suspeita é de que todos esses movimentos têm um objetivo audacioso e comum: livrar Lula da prisão e, ato contínuo, dar um jeito para permitir sua candidatur­a à Presidênci­a, apesar da condenação em segunda instância e da prisão. Aliás, apesar de tudo. Até por isso, Fachin decidiu driblar a Segunda Turma e enviar o pedido de Lula para o plenário, onde o equilíbrio é outro, pelo menos por ora.

Em setembro, Cármen Lúcia vai para a Segunda Turma, salvar Fachin do isolamento, e Toffoli assume a presidênci­a – e a pauta. Podem escrever: ele vai pôr em votação a revisão da prisão em segunda instância, como o quarteto cobra a todo instante.

Ao dizer que “o Supremo está voltando a ser Supremo”, Gilmar deixa no ar um temor: o de que não só o STF, mas o próprio País esteja voltando à velha normalidad­e pré-Lava Jato, em que tudo era uma festa para corruptos e Cunha, Cabral, Geddel, Joesley... jamais seriam presos.

Naqueles tempos em que presidente­s definiam pessoalmen­te regras e porcentage­ns para o assalto à Petrobrás, a operaciona­lização da corrupção era no Ministério da Fazenda, sindicalis­tas eram destacados para depenar os fundos de pensão e vai por aí afora. A Lava Jato tem defeitos e excessos, mas nada, nada, nada pode ser pior do que estava acontecend­o no Brasil.

PS: Hoje é o último dia de votações no STF antes do recesso. Olho vivo! Tudo pode acontecer.

STF ‘está voltando a ser STF’? Ou a era da impunidade é que está voltando?

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