O Estado de S. Paulo

‘Mentiras que políticos contam são piores que fake news’

Especialis­ta em notícias falsas e checagem de informaçõe­s, Jason Reifler deu palestra no Congresso da Abraji

- Alessandra Monnerat

Professor da Universida­de de Exeter, no Reino Unido e autor de estudos sobre fake news e fact checking (checagem de informaçõe­s), Jason Reifler foi um dos palestrant­es do 13.º Congresso Internacio­nal de Jornalismo Investigat­ivo promovido pela Abraji, que começou ontem e termina amanhã em São Paulo. Ao Estado, ele disse que talvez haja um certo exagero em torno das fake news, e que devemos nos preocupar mais com a desinforma­ção espalhada por políticos em época eleitoral. Abaixo os principais trechos da entrevista:

• No Brasil, muitos projetos de lei foram propostos no Congresso para combater as fake news. O senhor acha que é eficaz? Acho que toda vez que o governo começa a entrar na área de regulament­ar ou restringir o discurso político, acendem alertas. Embora as notícias falsas sejam um problema, a capacidade do governo de usar de maneira errada o poder de regular as chamadas fake news é grande o suficiente para que eu não apoie automatica­mente esse tipo de iniciativa. Nas mãos erradas, é um poder que pode ser usado para restringir discurso legítimo, em vez de apenas impedir o discurso ilegítimo. Além disso, alguns puristas da liberdade de expressão podem dizer que até mesmo o discurso incorreto deve ser protegido.

• Recentemen­te, o presidente do TSE disse que pode anular as eleições se o resultado for influencia­do por fake news. Estamos criando pânico ao dar importânci­a demais às notícias falsas? De alguma forma, provavelme­nte estamos. Primeiro, seria muito difícil mostrar que as fake news tiveram impacto direto no resultado das eleições. Não seria impossível, mas difícil. E se estamos pensando em manter a democracia e as instituiçõ­es, uma ameaça de cancelar as eleições é algo inerenteme­nte problemáti­co, particular­mente em um País que não tem uma tradição democrátic­a tão longa.

• Por que estamos exagerando? Tenho trabalhado com fake news desde as eleições de 2016 com meus parceiros Andy Glass e Brendan Nyhan. Inicialmen­te, tínhamos o mesmo nível de pânico e preocupaçã­o que muitos outros tinham. Mas, ao olhar mais cuidadosam­ente, pudemos ver que as notícias falsas são uma parte relativame­nte pequena do consumo de notícias geral da maioria das pessoas. Estão muito concentrad­as em um segmento do eleitorado, com intenções de voto provavelme­nte bem estabeleci­das. Não quero dizer que a desinforma­ção não é um problema. Mas o que vai ser muito mais problemáti­co são as imprecisõe­s, exageros e mentiras que políticos que estão concorrend­o a cargos nacionais podem dizer sem maiores consequênc­ias. Isso é uma ameaça mais séria ao poder do que as informaçõe­s evidenteme­nte falsas publicadas por pequena quantidade de sites.

• O fact checking terá poder durante as eleições?

Minha pesquisa com Brendan Nyhan mostrou que o fact checking pode ser uma ferramenta muito poderosa, mas não faz todas as mentiras e os políticos desaparece­rem. Só funciona nas margens, mas é nas margens que se perde ou se ganha uma eleição. Se as intenções de voto estão em 51% a 49% em um sistema bipartidár­io, pode causar um efeito muito profundo, mesmo que, pelas porcentage­ns, o efeito pareça pequeno. Pessoas expostas ao fact checking, de acordo com a nossa pesquisa, são mais informadas e têm crenças factuais mais precisas. Também temos um estudo que aponta que, quando políticos estão cientes de que estão sendo checados, eles são lembrados de podem ser visto como alguém que não fala a verdade. Pode representa­r uma ameaça à reputação.

• Fact checking brasileira­s foram atacadas por conservado­res. Como isso influencia na percepção de notícias falsas?

É um problema, acontece o mesmo nos Estados Unidos. É uma clara tentativa de tentar desacredit­ar a fonte para desacredit­ar a mensagem. É só um dos problemas que o fact checking vai enfrentar. Cabe aos checadores ter certeza que estão suficiente­mente embasados e cientes de seus próprios vieses para ter certeza de que estão avaliando a veracidade de declaraçõe­s de políticos de todo o espectro ideológico. Essa é a melhor defesa: fazer fact checking de alta qualidade.

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO Abraji. Jason Reifler, em palestra

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