O Estado de S. Paulo

A barba Van Gogh de Messi

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Almocei, tomei um lemoncelo, saí do Pasquale, dei com o pessoal multando os carros. E essa besteira da CET de proibir estacionar na Vila Madalena? Caça-níqueis? Um grupo discutia na porta. Fui rodeado, me perguntara­m: “Você já perdeu algum pênalti? Porque aqui nenhum de nós perdeu.” Respondi: “Eu também não”. E segui ligeiro, sem explicar que nunca bati um pênalti na vida nem nas peladas de calçada. Acompanhei a Copa por canais diferentes, regulados pela minha cabeça e pelas sensações de imagens. Comovente a presença de lindas mulheres iranianas, maquiadas, coloridas, sorridente­s, depois derramando-se em lágrimas com a desclassif­icação. Um dia, cairão as burcas, as proibições milenares, o machismo exacerbado.

Diverti-me com o destempero dos locutores desafiados pelos nomes trava-línguas de poloneses, russos, sérvios, croatas, africanos ou mesmo alemães, uma barafunda de consoantes. E quando a Copa for intergalác­tica? O que me emociona são os replays com as curvas da bola em faltas perfeitas, como que desenhadas por um geômetra. O que jogadores conseguem com os pés me faz admirar o ser humano, tão imperfeito. A felicidade está em pequenas coisas, dizem os clichês de autoajuda.

Gostaria de ter ido à Rússia, mesmo que fosse por minha conta, para fazer textos à margem dos jogos como os dois publicados aqui no Estadão. Um sobre a Rua Arbat, de Glauco de Pierri, e o outro sobre o Museu do Espaço, de Gonçalo Junior. A Arbat é um dos maiores calçadões do mundo e emociona a todos nós que amamos a literatura. Nesta rua, morou o casal Puchkin e Natalia. Ele foi traduzido no Brasil (bendita Editora 34) por nada menos que Boris Schnaiderm­an e Nelson Ascher. O conto O Chefe de Estação, de Puchkin, sempre me tocou demais, porque fui filho de ferroviári­o e sobrinho de um tio que chefiou estações a vida inteira.

De Pierri acentua que a Arbat foi “um importante reduto de artistas, músicos, poetas e intelectua­is russos do começo do século 19”.

Quem ainda não vivia, jamais saberá a emoção que foi Gagarin olhar para baixo e dizer: “a Terra é azul”, frase que entrou para a história. E quanto sofremos com a cadelinha Laika, “primeiro ser vivo terrestre a subir ao espaço” (escreve o jornalista, talvez sugerindo que haja seres vivo não terrestres, com o que concordo; se não, qual a graça?). A morte de Laika foi o primeiro drama espacial. Quem já foi ao Instituto Smithsonia­n, nos Estados Unidos, e tocou na pedra da Lua (eu toquei, por isso aqui estou aos 82 anos neste final de mês), conheceu a saga espacial norte-americana. Tem razão o repórter. Para fechar o ciclo, temos de ir a este Museu do Cosmonauta Russo.

Termino com uma citação de um cronista da Copa, dono de estilo impecável, Marcos Caldeira, de O Trem Itabirano (terra de Carlos Drummond de Andrade). Vejam: “O zagueiro Faustino Marcos Alberto Rojo emendou: gol, gritado pelos narradores portenhos com 1.345 ós. Messi, com sua barba de Vincent Van Gogh, subiu nas costas do salvador e o abraçou como se quem o carregava fosse o maior atleta do mundo – e era, naquele momento era. O estádio enlouquece­u, os nigerianos desabaram, Mascherano chorou sangue”.

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