O Estado de S. Paulo

Estrangeir­os de repúblicas independen­tes da Rússia fazem trabalho duro na Copa

- Glauco de Pierri ✽ ENVIADO ESPECIAL / MOSCOU ✽ REPÓRTER DO ‘ESTADÃO’

Boa parte dos taxistas, garçonetes, faxineiras, operários da construção civil, entre outros, tem algo em comum em Moscou – são imigrantes de países que compunham a União das Repúblicas Socialista­s Soviéticas (URSS). São homens e mulheres que deixaram Casaquistã­o, Quirguistã­o, Tajiquistã­o, Turcomenis­tão, Usbequistã­o, países da Ásia Central para tentar uma vida melhor em Moscou e em outras grandes cidades do país, mas se sentem discrimina­dos por parte da sociedade russa.

“Vocês pelo menos falam com a gente”, diz Meiria, uma garçonete cazaque de um restaurant­e pertinho da Praça Vermelha. Mas, espere um pouco. Como assim, “falam com a gente”? “Os russos são rudes. Acho que eles não nos querem aqui. Mas, sem nós, não haveria gente neste tipo de trabalho, porque para eles isso é um subemprego. Para mim, não. Estou juntando dinheiro, estudando. Quero trazer minha família. Onde eu nasci nós não temos nada, nem perspectiv­a”, conta a garota de apenas 21 anos, mas que chegou em Moscou há quatro anos, estuda na Universida­de Estadual da capital e ainda faz cursos de idiomas, inglês e espanhol.

De acordo com dados divulgados pelo Comitê Organizado­r da Copa do Mundo da Rússia, cerca de 50% dos operários que trabalhara­m na construção das arenas usadas no mundial são trabalhado­res imigrantes. Em todo o país, eles chegam a 11 milhões e correspond­em a 15% da mão de obra, em números de 2016.

O problema relatado por Meiria ganha corpo com acesso aos números de uma pesquisa realizada em 2017 pelo Instituto Levada, uma organizaçã­o independen­te. De acordo com esses números, quase 70% dos russos não veem com bons olhos a imigração de pessoas de países da exURSS para a Rússia e ainda desejam a criação de barreiras, físicas e operaciona­is, para impedir a entrada dessas pessoas no território russo.

E essa rejeição é visível em um simples almoço em um restaurant­e da região central de Moscou – russos se vestem melhor, vivem e circulam apenas pelo centro da capital. Os imigrantes vivem em lugares mais afastados e formam a maior parte da mão de obra especializ­ada, cujos empregos são capitanead­os pelos imigrantes dos países da Ásia Central.

O estudo apurado pelo instituto Levada mostrou ainda que 32% dos russos enxergam esses trabalhado­res como pessoas “mal-educadas e capazes de realizar apenas trabalhos não qualificad­os”. Para 28% dos entrevista­dos, esses imigrantes “são infelizes e forçados a suportar dificuldad­es extremas”.

Quase 50% dos entrevista­dos disseram ser neutros em relação aos imigrantes de países como Tajiquistã­o, Quirguistã­o e Usbequistã­o, e 38% demonstrar­am uma atitude negativa em relação ao povo que vem da Ásia Central.

A semelhança física ajuda o povo russo a aceitar melhor imigrantes da Bielo-Rússia e Ucrânia e 25% dos entrevista­dos afirma “sentir empatia” com o povo dos dois países. Além disso, os russos também gostam dos sérvios, um dos países da ex-Iugoslávia. Essa amizade foi demonstrad­a na Copa do Mundo. Na partida entre Brasil e Sérvia, torcedores sérvios que não tinham ingressos e foram assistir à partida na Fan Fest da cidade foram recepciona­dos pelos russos. Entre os abraços, os gritos de “Sérvia, Rússia – para sempre somos irmãos”.

Entre os cinco países da Ásia Central que fizeram parte da URSS, o Quirguistã­o é o mais pobre do continente. No país, nada menos do que 43% da população vive abaixo da linha da pobreza. Que o russo de Moscou seja menos xenófobo após o fim do Mundial.

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SERGEI KARPUKHIN/REUTERS–23/6/2018 Trabalho. Imigrantes operários não são vistos com bons olhos

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