O Estado de S. Paulo

Cia. do Latão celebra seus 20 anos com nova peça

Grupo festeja com ‘Lugar Nenhum’, no Rio, inspirada em Chekhov

- Leandro Nunes

Nas comemoraçõ­es de seus 20 anos, a Companhia do Latão revê na própria trajetória a construção de um ponto de vista sobre um Brasil conjugado de mil forças, mais ou menos complexas. Lugar Nenhum, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio, é o nome do espetáculo que pode sugerir o estado atual das coisas, quando o movimento dessas forças se iguala em um incômodo desequilíb­rio. A montagem, que deve vir para São Paulo – ainda sem data –, se inspira nas criações do russo Chekhov. “Ele é muito montado pelo tipo de trabalho mais subjetivo em suas obras”, conta o diretor Sérgio de Carvalho. “Mas também existe um olhar social por parte dele que é muito interessan­te.”

A peça, que se apoia nos diários do autor de A Gaivota e As Três Irmãs, se passa numa casa de praia próxima a Paraty, no Rio, depois de Ubatuba. Nas ruínas de uma fazenda colonial, se encontra uma família de artistas e intelectua­is de classe média para a comemoraçã­o do aniversári­o do filho. Entre eles, está um cineasta decadente, uma atriz de sucesso que encena uma peça de Ibsen, um músico que foi preso durante a ditadura e um jornalista liberal. “Neste fim de semana, os convidados vão debater suas vidas, suas ideias sobre a sociedade e o país, tudo misturado aos pequenos hábitos cotidianos.”

Para Carvalho, a condição imposta aos personagen­s é a de terem um extremo discernime­nto da própria vida e dos problemas. “À medida em que oferecem suas teorias para a crise, isso retorna como imobilidad­e. Um descompass­o entre o pensamento e a prática. É a ideia de falar demais e fazer pouco”, afirma.

Lugar Nenhum vem com um impulso distinto dos trabalhos anteriores do Latão. Em O Pão e a Pedra (2016), o mote era grandioso. A união dos religiosos da Teologia da Libertação e do início do movimento grevista dos metalúrgic­os entre os anos 1970 e 1980 no Grande ABC. Naquela época, padres e trabalhado­res se juntavam para montar piquete na frente das montadoras de automóveis. O Estádio Primeiro de Maio, em São Bernardo do Campo, chegou a abrigar mais de 70 mil operários em suas assembleia­s. “Em Lugar Nenhum, o movimento é diferente. Os personagen­s carregam a profissão para a vida íntima e isso molda a forma de olhar o mundo”, explica Carvalho.

O resultado é um estado de paralisia, forçado para alguns personagen­s e espontâneo para outros. “O ambiente familiar se torna infernal para eles e faz surgir o que há de patético nisso.”

Ao olhar para as duas décadas da companhia, Carvalho acredita que a imobilidad­e pode se estender, mas que dela pode surgir outra oportunida­de. “Junto com toda melancolia provocada, há uma vontade de estudar. Quando não se compreende o próprio tempo, precisa parar e estudar.”

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FOTOS MAURÍCIO BATTISTUCI No palco.
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Na peça, família de intelectua­is se reúne para festejar aniversári­o

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