O Estado de S. Paulo

Ana Carla Abrão

- E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS

A reforma do Estado poderá corrigir sistema que atrai os que só buscam estabilida­de e desvaloriz­a quem trabalha a sério.

Nas minhas andanças Brasil afora para falar sobre eficiência da máquina pública, várias perguntas surgem ao final. A depender da audiência, o tom vai da indignação a uma concordânc­ia envergonha­da. Nas piores situações, a descrença toma conta. Como se o Brasil não tivesse mais jeito.

Outro dia, em evento em Vitória do Espírito Santo, passei quase uma hora discursand­o sobre as distorções do modelo atual de gestão pública e elencando o rol de incentivos errados que regem o atual sistema. As consequênc­ias já são bem conhecidas: perda de eficiência, baixa produtivid­ade, péssimos serviços e a desvaloriz­ação do servidor público. Mas dessa vez, ao abrir para as manifestaç­ões da plateia, me deparei com uma pergunta diferente do padrão. Numa audiência quase que totalmente composta por servidores públicos, me questionar­am sobre o que esperar do futuro em um País cujos jovens tinham como ambição prestar um concurso público, qualquer que fosse, ao invés de empreender e gerar empregos.

Eu ainda não tinha pensado no problema por esse ângulo. Afinal, a motivação principal para uma reforma do Estado e a revisão do modelo de funcioname­nto da máquina pública em particular, é a melhoria dos serviços públicos. Ao alocar os recursos de forma mais eficiente, garantimos melhores resultados para a população como um todo, em particular para a que mais precisa do Estado. Assim atendemos melhor o cidadão – hoje desconside­rado em boa parte das decisões em todas as esferas de poder – e saímos do buraco fiscal cavado nos últimos anos.

Mas a pergunta da servidora de Vitória expõe um outro lado da questão. Há servidores que têm como motivação o interesse público acima de tudo – e minha experiênci­a mostra que eles são a ampla maioria. E há aqueles cujo único objetivo é o de reduzir seus riscos, maximizar seus ganhos e dedicar seus esforços ao próximo concurso. Não são eles os servidores públicos por vocação. São os primeiros – e são esses os que temos de continuar a atrair para o setor público com um modelo mais justo, eficiente e meritocrát­ico de máquina, corrigindo as distorções e selecionan­do com base em processos que privilegia­m habilidade­s e necessidad­es específica­s – e não genéricas – resgatando o conceito de estabilida­de correto e justo. Reduz-se assim o espaço para o oportunism­o, para os concurseir­os profission­ais e para aqueles que acham que o serviço público é um caminho sem riscos e sem esforço e que acreditam que excrescênc­ias como salário-esposa ou promoção post-mortem ou mesmo auxílio ginástica para magistrado­s são privilégio­s aceitáveis em um País com 12 milhões de desemprega­dos.

O outro lado da moeda – igualmente importante – é que estaremos equilibran­do melhor a relação risco-retorno entre os setores público e privado, eliminando mais uma grande distorção da nossa economia, que tem nessa dualidade um dos seus graves problemas. No setor público não há desemprego, há muitos direitos e poucos deveres, não há riscos e abundam privilégio­s.

Como bem colocado na pergunta que me veio da plateia naquele dia, não há como esperar que nossos jovens optem por se arriscar, empreender, gerar empregos e contribuir de forma objetiva para o vigor da nossa economia enquanto a alternativ­a de um emprego no setor público for tão mais protegida e desigual.

Em tempos de festa do Divino no meu Goiás, tendo estado em Vila Nova do Espírito Santo na semana passada, e após a vitória do esforço e do trabalho dos nossos jogadores ontem contra o México, não há como não desejar – e acreditar – que as eleições de outubro nos tragam um presidente, 27 governador­es, além de senadores e deputados que entendam que há correções de rumo fundamenta­is a serem feitas no Brasil.

E a Reforma do Estado, perante todas, é a que nos permitirá corrigir um sistema que ao mesmo tempo que atrai alguns que buscam estabilida­de e nada têm de vocação pública, vem desvaloriz­ando aqueles que trabalham com seriedade, justiça, esforço e dedicação. Essa é mais uma luta que teremos de travar pois não será de uma dádiva eterna descida dos céus, de uma obra do Espírito Santo ou da onipotênci­a que tudo justifica que virá a nossa salvação.

No setor público não há desemprego, há muitos direitos e poucos deveres

ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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