O Estado de S. Paulo

Curso de Direito deve ser modernizad­o

Ensino. Proposta em análise no Conselho Nacional de Educação mantém duração de 3,7 mil horas em 5 anos, mas sugere aumentar enfoque regional e compor 50% da carga horária com disciplina­s optativas; OAB, que pediu revisão em 2013, defende modernizaç­ão

- Isabela Palhares

Graduação mais procurada do País, o curso de Direito deverá passar pelas mudanças mais significat­ivas em 14 anos. O Conselho Nacional de Educação (CNE) vai propor modernizar os currículos da graduação para adaptar o que se ensina ao que se vê no cotidiano dos escritório­s de advocacia e às diversas realidades regionais. A expectativ­a é de concluir essa discussão até setembro, após quatro anos de debates.

Números do Ministério da Educação (MEC) mostram que, de 2004 a 2016 (último com dados disponívei­s), o total de graduações em Direito cresceu 49%. Já a oferta de vagas aumentou 61% no período.

A nova proposta mantém a carga horária mínima de 3,7 mil horas, espalhada por cinco anos. Cerca de 50% da carga poderá ser formada por disciplina­s optativas, “a fim de que se possa garantir um aprendizad­o capaz de enfrentar os problemas e desafios impostos pelo constante processo de inovação pelo qual passa o mundo”, diz o texto da proposta.

“A atuação esperada do profission­al do Direito mudou, queremos estimular e ampliar o contato desses alunos com os futuros empregador­es, com os desafios que vão encontrar na profissão. Não será um curso voltado para o exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)”, diz Luiz Roberto Curi, que preside a comissão do CNE que estuda as mudanças.

Foi a própria OAB quem sugeriu mudanças nas diretrizes em 2013, pela preocupaçã­o com a qualidade dos cursos que proliferav­am pelo País. “O MEC autorizou a abertura de centenas de cursos, sem que houvesse garantia de qualidade e real demanda por essas vagas. Havia preocupaçã­o, que se agravou nos últimos anos, com a qualidade do ensino, já que no exame da Ordem não conseguimo­s aprovar mais do que 20% dos inscritos”, diz Marisvaldo Cortez, presidente da Comissão de Educação Jurídica da OAB.

Com a expansão acelerada de novos cursos, Cortez avalia que indicar às instituiçõ­es a elaboração de currículos mais diversific­ados pode ajudar a “desafogar” o mercado de trabalho. “Temos quase 1,2 mil cursos de Direito, todos com praticamen­te o mesmo currículo, sem adotar novas metodologi­as de ensino e sem pensar os novos desafios da profissão. Podem criar disciplina­s, mais inovadoras. Hoje, por exemplo, não temos matéria sobre Direito Eleitoral, que é um campo importantí­ssimo.”

As diretrizes do CNE servem como parâmetro para que as faculdades formulem o projeto pedagógico. O problema é que muitas instituiçõ­es as entendem como “currículo único” e não oferecem disciplina­s mais ligadas ao contexto local ou aos interesses dos alunos.

“Algumas faculdades tendem a copiar o currículo de escolas bem-sucedidas. Copiar o programa da USP (Universida­de de São Paulo) em uma instituiçã­o do interior da Paraíba não vai funcionar. Porque você não tem a mesma estrutura, os mesmos professore­s. Queremos estimular cada faculdade a desenhar um projeto de acordo com a sua realidade”, afirma Antonio Freitas, relator da proposta no CNE e pró-reitor da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Para ele, o currículo deve se conectar ao mercado local: uma faculdade em Mato Grosso, por exemplo, pode ter mais conteúdo ligado ao agronegóci­o. Já em São Paulo, pode haver foco maior no mercado financeiro. Após a aprovação pelo MEC da mudança, as faculdades terão um ano para se adaptar. Mudança. Há três anos, a USP iniciou mudança curricular na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, com redução da carga de disciplina­s obrigatóri­as e ampliação de eletivas. “Mantivemos carga de formação básica forte, mas é impossível dar formação técnica de conteúdos em todas as áreas do Direito. Precisaría­mos de um curso de dez anos. Ampliamos a oportunida­de de o aluno escolher a grade de acordo com a atividade que projeta desenvolve­r após se formar”, diz Floriano Marques, diretor da faculdade.

No 3.º ano do curso da USP, Gustavo Luiz Vieira, de 24 anos, avalia positivame­nte as mudanças, por permitir mais dedicação à área em que se pretende atuar. “Não vou saber tudo sobre todas as áreas do Direito. É melhor que possa me dedicar ao que vai me ajudar futurament­e”, diz ele, que pretende trabalhar em Direito Constituci­onal.

 ?? NILTON FUKUDA/ESTADÃO - 17/1/2014 ?? Largo de São Francisco. Há 3 anos, a USP reduziu carga de disciplina­s obrigatóri­as e ampliou oferta de eletivas no Direito
NILTON FUKUDA/ESTADÃO - 17/1/2014 Largo de São Francisco. Há 3 anos, a USP reduziu carga de disciplina­s obrigatóri­as e ampliou oferta de eletivas no Direito

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