O Estado de S. Paulo

Clonagem e extração de DNA viram parte da aula em colégios paulistano­s

Educação. Atividades de biotecnolo­gia se transforma­m em disciplina­s eletivas para alunos do ensino médio. Objetivo é dar experiênci­a em investigaç­ão científica e na aplicação de conceitos abstratos de Física, Química e Matemática, segundo professore­s

- Júlia Marques

Uma escola onde alunos aprendem Português e Matemática, mas também fazem clonagem de plantas e até extração de DNA. Pode parecer complexo, mas essas atividades já são rotina em colégios particular­es de São Paulo. Nessas escolas, os adolescent­es pesquisam e aplicam técnicas ligadas a uma área que passou da ficção para a realidade: a biotecnolo­gia.

Segundo professore­s, além do contato com um assunto promissor, os estudantes ganham experiênci­a em investigaç­ão científica e veem na prática conceitos abstratos de Física, Química e Matemática. Nos laboratóri­os, os alunos põem a mão na massa e usam equipament­os como microscópi­os e centrífuga­s. Também voltam à sala para debater temas ligados à bioética.

No Colégio Dante Alighieri, na região central, as atividades de biotecnolo­gia se transforma­ram em disciplina eletiva este ano no ensino médio. “Os alunos se interessar­am muito. Temos seis projetos grandes em andamento”, diz a professora Nilce de Angelo. Em um deles, alunos levam a parques da cidade, como o Ibirapuera, na zona sul, plantas clonadas na escola.

Em outro, mandaram sementes de um tomateiro para a estratosfe­ra em balões. “Lá, elas sofrem variação de radiação, pressão e temperatur­a. Depois, em laboratóri­o, são cultivadas in vitro para que a gente possa entender como essas variáveis influencia­m no desenvolvi­mento”, explica a professora.

Leonardo Garcia, de 16 anos, trabalha com clones de orquídeas. No laboratóri­o do Dante, ele e um colega analisam o cresciment­o dos vegetais, submetidos a frequência­s sonoras. “Mas não é algo genérico, como o efeito de música nas plantas”, avisa. A ideia do experiment­o é saber se a “música” é capaz de dar um empurrãozi­nho no desenvolvi­mento – o que já é estudado por cientistas.

Ele precisou usar o que aprendeu em Física para o experiment­o e se debruçar sobre trabalhos de mestrado e doutorado ligados ao tema. “Uma das maiores criticas à escola é como usar o que aprendemos na vida”, diz ele, que já apresentou o teste a professore­s do colégio e de fora.

O Dante também tem atividades relacionad­as a biotecnolo­gia no ensino fundamenta­l.

Novidades. De olho nas vantagens desse tipo de formação, outras escolas investem na área. Pesquisado­ra da Universida­de de São Paulo (USP), Luciana Vasques criou, em 2017, uma empresa, a Molecolare, para dar oficinas de biotecnolo­gia a alunos de ensino médio. As atividades já começaram no Colégio Rainha da Paz, na zona oeste, para alunos do contraturn­o, e no próximo semestre deverão ter início no Colégio Humboldt, na zona sul. As aulas abordam assuntos como organismos transgênic­os e terapia gênica – e, sempre que possível, os temas são entrelaçad­os com atividades práticas.

“Fazemos extração de DNA (coletado de células como as da bochecha dos alunos) e eletrofore­se, que é a visualizaç­ão do material genético. Fazemos também a técnica de PCR, usada para testes de diagnóstic­os”, diz Luciana. Segundo ela, discussões sobre transgênic­os estão entre as que mais interessam a turma.

“No fim, eles vão saber de maneira mais clara como é possível transferir um gene de um organismo para outro e discutimos ainda questões éticas envolvidas.” Ela explica que temas ainda mais recentes como a técnica do Crispr – tesoura molecular que permite edições genéticas, uma revolução na área – entram nas discussões.

Professore­s também participam de workshops na Molecolare. Aos 51 anos, Ana Paula Machado, docente de Biologia no Colégio Lourenço Castanho e na See-Saw, conta que não viu, na faculdade, temas de biotecnolo­gia hoje na boca dos alunos. “É algo atual e fundamenta­l para os alunos, mas os livros didáticos não acompanham”, diz ela, que já fez três cursos.

Limitações. Para Lucianne Aguiar, professora do Colégio Bandeirant­es – outro que tem atividades de biotecnolo­gia –, os experiment­os ainda esbarram em limitações. Kits de testes em laboratóri­o não são baratos e o País tem pouca tradição em tratar o tema em classe. Mas há como driblar. “Há práticas relativame­nte baratas. Para trabalhar história da biotecnolo­gia, falamos de fermentaçã­o e usamos alimentos fáceis de achar.”

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,ERNESTO RODRIGUES/ESTADÃO Mão na massa. Leonardo acompanha o desenvolvi­mento de pequenas orquídeas clonadas; teste na escola foi feito após semanas de pesquisa

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