O Estado de S. Paulo

Limites ao poder monocrátic­o

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Ocontrole de constituci­onalidade deve servir para que a Constituiç­ão prevaleça. Do jeito que se faz hoje, a voz de uma única pessoa pode imperar sobre toda a República.

Aprovado recentemen­te em caráter conclusivo pela Comissão de Constituiç­ão e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) 7.104/2017 é muito oportuno nestes tempos de protagonis­mo judicial. Ele estabelece que, no caso de Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e (Adin) e de Arguição de Descumprim­ento de Preceito Fundamenta­l (ADPF), a concessão de medidas cautelares depende exclusivam­ente da aprovação da maioria absoluta dos membros do tribunal competente.

Na realidade, o art. 10 da Lei 9.868/99 já prevê essa condição, mas como os tribunais, especialme­nte o Supremo Tribunal Federal (STF), têm ignorado a exigência, é convenient­e pôr um esclareced­or ponto final a esse desequilíb­rio institucio­nal, que, além de provocar inseguranç­a jurídica, interfere abusivamen­te na relação entre os Poderes. Hoje, uma lei aprovada pelo Congresso, que cumpriu integralme­nte o rito legislativ­o, tem muitas vezes sua eficácia suspensa por decisão de um único ministro do STF, sob a justificat­iva de que seu conteúdo contraria a Constituiç­ão. É muito poder para uma única pessoa.

O Poder Judiciário, especialme­nte o Supremo, tem competênci­a para realizar o controle de constituci­onalidade das leis aprovadas pelo Legislativ­o. Trata-se de uma consequênc­ia do próprio Estado Democrátic­o de Direito, no qual nenhum dos Três Poderes dispõe de autonomia absoluta. Todos devem respeitar a Constituiç­ão, e cabe à Justiça dar a palavra final sobre a constituci­onalidade das medidas aprovadas pelo Congresso.

Os limites do poder de legislar não podem, no entanto, subverter o equilíbrio institucio­nal, fazendo com que a voz de uma única pessoa – por exemplo, um ministro do STF – valha mais que a voz conjunta da Câmara e do Senado. As leis vigentes têm presunção de constituci­onalidade, o que é decorrênci­a do respeito mínimo que se deve ter às decisões dos representa­ntes eleitos pelo povo. Por isso, o art. 97 da Constituiç­ão define que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitu­cionalidad­e de lei ou ato normativo do Poder Público”.

Vale lembrar que as leis, além de terem sido aprovadas pelo Congresso, são submetidas à análise do Poder Executivo. Muitas vezes, o presidente da República veta determinad­o trecho legal por considerá-lo inconstitu­cional. Neste caso, o projeto de lei volta ao Congresso, que decidirá pela manutenção ou não do veto. Ou seja, para que uma lei entre em vigor, ela passou antes pelo crivo do Legislativ­o e do Executivo.

É, portanto, manifestam­ente desproporc­ional a facilidade com que hoje um ministro do STF suspende sozinho, por liminar, os efeitos de uma lei. Recentemen­te, o ministro Ricardo Lewandowsk­i entendeu que um artigo da Lei das Estatais era inconstitu­cional e instaurou, monocratic­amente, novas obrigações para alienação do controle acionário, tanto de empresas públicas como de suas subsidiári­as e controlada­s.

Além de aumentar as dificuldad­es para privatizaç­ão das distribuid­oras da Eletrobrás, a liminar do ministro Lewandowsk­i travou os planos de recuperaçã­o financeira da Petrobrás, que incluíam a venda de alguns ativos. Com a decisão, a Petrobrás precisará ter a autorizaçã­o do Congresso para realizar as vendas planejadas.

O PL 7.104/2017 prevê um procedimen­to especial para o período de recesso judicial. Neste caso, havendo urgência excepciona­l, o presidente do STF poderá monocratic­amente conceder medida cautelar em Adin. Nesta hipótese, o pleno do Tribunal “deverá examinar a questão até a sua oitava sessão após a retomada das atividades”. Hoje, um ministro concede liminar e não se sabe quando o colegiado irá julgar o mérito. Por exemplo, decorridos mais de cinco anos, o plenário do STF ainda não julgou medida cautelar de março de 2013 contra artigos da Lei 12.734/12, que tratam da distribuiç­ão dos royalties do petróleo.

O controle de constituci­onalidade deve servir para que a Constituiç­ão prevaleça. Do jeito que se faz hoje, ele possibilit­a que a voz de uma única pessoa, que não recebeu nenhum voto, sendo tão somente um integrante de um órgão colegiado, impere sobre toda a República. É urgente retificar tal anomalia, que, sob o pretexto de proteger a Carta Magna, a subjuga.

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