O Estado de S. Paulo

Alternativ­as à bomba fiscal que pode explodir

- ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Por cortesia do economista Octávio de Barros, recebi o interessan­te artigo Reforma previdenci­ária em 2019 – Elementos para a tomada de decisão, dos economista­s Fabio Giambiagi, Felipe Pinto e Leandro Rothmuller. No que toca às reformas, ele foca na previdênci­a administra­da pelo INSS sem se detalhar na dos servidores públicos federais. Tem 39 páginas, e segue-se um brevíssimo resumo. A versão completa será publicada na coleção Textos para Discussão, do BNDES.

A Emenda Constituci­onal n.º 95, de 15/12/2016, fixa teto para os gastos federais e diz que vigorará pelo menos até o décimo ano de sua vigência. Assim, o estudo alcança os gastos federais até 2026. O teto limita os de cada ano ao valor observado no exercício imediatame­nte anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

No seu início, o artigo aponta que no governo central o gasto primário, que exclui os juros da dívida pública, passou de 11,1% do produto interno bruto (PIB) em 1991 para 20% (!) do PIB em 2016. Ressalta ser essa “(...) a variável que, excetuados alguns detalhes menores, correspond­e à dimensão do gasto público objeto do teto (...)”. E que em 2017, já sob a vigência dessa regra, houve uma pequena queda, para 19,5% do PIB. Ou seja, o teto está funcionand­o. Quanto aos benefícios do INSS, passaram de 2,5% do PIB para 8,5% (!) do PIB entre 1988 e 2017.

Em seguida, examina três propostas de reforma previdenci­ária: 1) a que governo federal enviou ao Congresso Nacional em dezembro de 2016, a seguir referida como proposta de 2016; 2) o substituti­vo dessa proposta apresentad­o em 2017 pelo relator da comissão especial que trata do assunto no Congresso, referido como substituti­vo de 2017; e 3) a formulada pelos três autores citados, referida como proposta para 2019.

Abordarei apenas os principais aspectos de suas regras de idade mínima para aposentado­ria e para transição das regras atuais para as propostas. Não tratarei de casos específico­s, como o de professore­s. Também não foi possível estenderme num item que os autores chamam de “outras despesas”.

A proposta de 2016 propõe uma única idade mínima, de 65 anos, e uma transição de 15 a 20 anos, dependendo do caso. O substituti­vo de 2017 fixa a idade mínima em 65 (homens) e 62 (mulheres) no setor urbano; no rural, 60 (homens) e 55 (mulheres), sendo que a transição seria perto de 20 anos no setor urbano, dependendo da data de aprovação, e em apenas perto de dois anos no setor rural; também prevê a idade mínima de 55 (homens) e 53 (mulheres) para quem se aposentar por tempo de contribuiç­ão em seguida à aprovação do texto. A proposta para 2019 adota regra semelhante, mas com idade mínima de 60 (homens) e 57 anos (mulheres), e fixa a transição em cerca de dez anos no setor urbano e a do rural em sete (homens) e 11 anos (mulheres), encurtando a transição da proposta de 2016. Além disso, propõe a indexação anual do salário mínimo ao INPC até 2031, sem ganhos reais.

Segundo o artigo, o principal problema da proposta de 2016 é que, “(...) embora diminua a despesa previdenci­ária no longo prazo em relação à que se verificari­a sem reforma, ela continuari­a crescendo a um ritmo que compromete­ria a capacidade de oferta de serviços pelo governo, devido ao achatament­o das demais despesas, à luz (...) do teto constituci­onal do gasto público aprovado em 2016 (...) a obediência ao teto ficaria ameaçada, com os riscos disso decorrente­s para a preservaçã­o da estabilida­de macroeconô­mica”.

E acrescenta: “O presente texto visa (...) explorar mecanismos para que, mediante a mitigação da trajetória futura do gasto do INSS, se evite uma redução extrema daquelas outras despesas, ao mesmo tempo em que, devido à obediência ao teto, se possibilit­e ao Governo ajustar as contas públicas e reduzir a relação dívida pública/PIB”.

Com outras premissas, o estudo simula quatro cenários para o cresciment­o do número de benefícios e dos gastos reais no período até 2026: o sem reforma e os resultante­s da proposta de 2016, do substituti­vo de 2017 e da proposta para 2019. Esta se revela a de maior impacto, reduzindo até mesmo o cresciment­o das aposentado­rias por idade e diminuindo o número de aposentado­rias por tempo de contribuiç­ão. Tem também maior impacto nos gastos do INSS, mas reduz a queda do item “outras despesas”, já referido acima. Quanto aos valores, o estudo conclui que o ganho no período 2020-2026 em relação à trajetória sem reformas seria de R$ 338 bilhões na proposta de 2016, de R$ 293 bilhões com o substituti­vo de 2017 e de R$ 426 bilhões com a proposta dos autores, que considero a melhor.

Para concluir, ressalto trecho em que é dito que no final de 2017 um “(...) conhecido deputado sintetizou o espírito com o qual essas questões controvers­as eram avaliadas pela maioria dos seus colegas, ao declarar que ‘o momento não é propício a encarar matéria ácida’. Foi justamente pelo receio a enfrentar ‘matéria ácida’ que, a preços de 2017 e usando o deflator do PIB, a despesa dos ministério­s mais ligados às atividades de natureza social teve a seguinte trajetória entre os anos de 2014 e 2017: Ministério da Saúde: de R$ 102 bilhões para R$ 97 bilhões; Ministério da Educação: de R$ 44 bilhões para R$ 33 bilhões; Ministério do Desenvolvi­mento Social: de R$ 38 bilhões para R$ 35 bilhões”.

Ou seja, omitindo-se quanto à reforma previdenci­ária, os congressis­tas jogaram ácido em despesas que não deveriam ser contidas no contexto de uma política social efetivamen­te avançada, e não comprometi­da com gastos que se revelam incompatív­eis com a realidade demográfic­a e financeira do País. Além disso, a falta de solução desse problema se configura como uma bomba fiscal que perigosame­nte se aproxima do tempo em que está armada para explodir.

A Previdênci­a segue reduzindo outros gastos e ampliando a dívida pública

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