Cautela com a situação hídrica
Quando em maio o Sistema Cantareira, principal reservatório de abastecimento de água da capital, ficou abaixo de 50% – e desde então ele vem oscilando em torno disso –, soaram sinais de alerta. Esses sinais se justificam pelo eventual risco de uma repetição da grave crise hídrica de 2014 e, só por isso, a prudência recomendaria que as autoridades levassem em conta as preocupações da população. As medidas tomadas pelo governo do Estado para enfrentar a crise, assim como a mudança no padrão de consumo, indicam ser muito difícil aquela crise se repetir neste ano. Mas, como o problema ainda não pode ser considerado totalmente resolvido, todo cuidado é pouco.
Os avanços para tornar mais seguro o sistema de abastecimento do Estado, em especial da Grande São Paulo, são inegáveis. Prevê-se que as obras destinadas a isso, apesar do atraso de algumas delas, em breve estarão concluídas. Uma das mais importantes – a de transposição de água da represa Jaguari, que integra a Bacia do Rio Paraíba do Sul, para a represa Atibainha, do Sistema Cantareira, que começou em 2016 – foi inaugurada em março passado. Ela aumenta pelos próximos anos a segurança do abastecimento das regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas, segundo a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). A obra reduz de 6,7% para 0,4% o risco de o Cantareira não conseguir atender à demanda.
Não será apenas a conclusão das demais obras que tornará mais seguro o sistema de abastecimento. Um outro fator a ser considerado é a mudança no hábito de consumo dos moradores da Grande São Paulo. O risco de racionamento – que em algumas regiões da capital ocorreu de fato – levou a população a atender ao apelo do governo para reduzir o consumo, em seu próprio benefício. Para isso também tiveram papel relevante os incentivos concedidos aos que conseguiam economizar água.
O importante nessa mudança é que ela não foi episódica, apenas enquanto durou o temor do racionamento. Tudo indica que ela está se incorporando aos hábitos dos consumidores e pode se tornar um legado positivo da crise. No começo de 2018, o consumo na região metropolitana era 15% menor do que antes da crise. A Sabesp produz hoje 60,9 mil litros de água por segundo para atender 21 milhões de moradores da região. A demanda era de 71,4 mil l/s há quatro anos. Os 10,5 mil l/s poupados dariam para abastecer 3 milhões de pessoas por dia.
Nada disso, porém, recomenda entregar-se a otimismo ainda prematuro, como fez o exgovernador Geraldo Alckmin. Em 2016, dois anos depois do início da crise, tendo em vista a melhora da situação dos reservatórios e os resultados esperados das obras, afirmou ele que a “questão da água” estava resolvida e a região metropolitana estava livre de nova crise por quatro ou cinco anos. Não demorou para o atraso nas obras demonstrar o quanto esse otimismo era exagerado.
Ao atraso veio se somar o comportamento da meteorologia, ainda incapaz de previsões precisas para períodos longos. Em março de 2016, Pedro Cortes, especialista em recursos hídricos e professor da Universidade de São Paulo, já alertara que o nível do Cantareira indicava ser prematura a decretação do fim da crise. Dois anos depois, constatou-se que o mês de maio passado foi o mais seco dos últimos 18 anos. Não é de surpreender que o nível do Cantareira tenha chegado, antes do fim deste mês, a 48,1% – sem considerar o volume morto –, o mais baixo registrado antes da crise de 2014.
Há mais uma razão para não desprezar os sinais de alerta sobre a situação hídrica. Além da conclusão das obras iniciadas no governo Alckmin, a segurança do sistema de abastecimento de água no Estado, com destaque para a Grande São Paulo, depende principalmente de medidas como a destinada a reduzir o desperdício ainda bastante elevado, em torno de 30%. Outra é aumentar a produção de água de reúso. Nesses dois casos, pode-se e devese fazer muito mais do que tem sido feito até agora.