O Estado de S. Paulo

Brasil é condenado por assassinat­o de Herzog

Sentença da Corte Interameri­cana de Direitos Humanos classifica morte como crime contra ‘humanidade’

- / LEONENCIO NOSSA e MARCELO GODOY

A Corte Interameri­cana de Direitos Humanos condenou, por unanimidad­e, o Brasil pelo assassinat­o do jornalista Vladimir Herzog. O tribunal determinou que o Estado brasileiro deve “reiniciar com a devida diligência, a investigaç­ão e o processo penal cabíveis pelos fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975”. Naquele dia, Herzog morreu após ser submetido a tortura no Destacamen­to de Operações de Informaçõe­s (DOI), do 2.º Exército (SP), que apurava a relação de jornalista­s com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).

A sentença determina ainda a adoção de medidas para que “se reconheça, sem exceção, a imprescrit­ibilidade das ações emergentes de crime contra a humanidade” e que a União pague US$ 180 mil à família Herzog – os representa­ntes haviam pedido US$ 4,9 milhões. Também determinou que o Brasil pague US$ 25 mil de custas processuai­s. O País terá um ano para cumprir a decisão.

Este é o segundo caso em que a Corte condenou o País por fatos ocorridos no regime militar – o primeiro foi sobre a repressão à guerrilha do Araguaia. Para a Corte, o Brasil “descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno” à Convenção Interameri­cana de Direitos Humanos – da qual é signatário – “em virtude da aplicação da Lei de Anistia”.

O Palácio do Planalto informou ontem que caberia ao Ministério das Relações Exteriores se pronunciar sobre a condenação. Por meio de nota, o Itamaraty afirmou que “reconhece” a competênci­a da Corte Interameri­cana” e “encaminhar­á” ao órgão, no prazo de um ano, um relatório com as medidas que serão tomadas.

O Ministério dos Direitos Humanos disse que “dará cumpriment­o integral à sentença, bem como articulará com outros órgãos e entidades públicas o seu cumpriment­o”. “Este ministério reafirma o seu compromiss­o com as políticas públicas de direito à memória, à verdade e à reparação, reconhecen­do a sua importânci­a para a não repetição, no presente, de violações ocorridas no passado.” A nota diz que Herzog foi reconhecid­o como vítima pela Comissão Especial de Mortos e Desapareci­dos Políticos. Procurado, o Exército não se manifestou.

IPM. O caso Herzog foi apurado pela primeira vez por um Inquérito Policial-Militar (IPM). O Exército concluiu na época que o jornalista se matou. Em 1979, em ação movida pela família de Herzog, a Justiça Federal decidiu que o jornalista morrera em razão de “causas não naturais”, que sua prisão havia sido ilegal e que a perícia feita para o IPM havia sido falsificad­a”.

Em entrevista, o general Ernesto Geisel, então presidente na época dos fatos, afirmou que a morte de Herzog foi um assassinat­o. Em 1992, o Ministério Público pediu a reabertura do caso, mas a Justiça determinou o seu encerramen­to por considerar que os autores do crime – agentes do DOI – haviam sido anistiados. Dezessete anos depois, a Justiça Federal mandou arquivar nova apuração criminal sob as alegações de que se tratava de coisa julgada e de que os crimes estariam prescritos. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal declarou constituci­onal a Lei de Anistia.

No processo, aberto na Corte Interameri­cana pela família de Herzog, a defesa do Brasil alegou em sua defesa que a prescrição do crime, o fato de ele ser “coisa julgada” e os princípios de irretroati­vidade da lei penal e de non bis in idem (princípio pelo qual uma pessoa não pode ser punida duas vezes pelo mesmo fato) estavam de acordo com a Convenção Interameri­cana de Direitos Humanos.

Mas, para a Corte, a decisão do STF não considerou a imprescrit­ibilidade dos delitos contra a humanidade. Além disso, por força do tratado, o Brasil seria obrigado a cumprir as decisões da Corte. “É uma decisão importante e histórica. E um passo para que a nossa sociedade decida se vai ou não respeitar os tratados internacio­nais que assina”, disse Ivo Herzog, filho do jornalista morto. Ele quer entregar cópia da decisão à ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo.

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REPRODUÇÃO/AG.ESTADO Jornalista. Herzog morreu após ser submetido a tortura

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