O Estado de S. Paulo

Futebol sem coxinha e mortadela

- REPÓRTER ESPECIAL DO ‘ESTADÃO’

Dois dias antes de a Copa do Mundo começar, uma pesquisa indicou que a maioria dos brasileiro­s não estava interessad­a no torneio. Mas bastou a bola rolar para comprovar o que eu já desconfiav­a desde que bati os olhos nos dados: as pesquisas, ainda que sempre bem-vindas, nem sempre refletem a realidade.

Ao contrário do que dizia o levantamen­to, a Copa do Mundo da Rússia contagiou o País desde o princípio. Há muito tempo, na verdade, não havia uma Copa que despertass­e tanto interesse. Basta sair na rua para constatar isso. De norte a sul, o Brasil foi tingido de verde-amarelo. Bandeiras brasileira­s tremulam em todos os cantos.

Nas grandes cidades, como costuma acontecer nessas ocasiões, a população pintou o asfalto com as cores nacionais, lembrando a todos que a “pátria de chuteiras” está em campo mais uma vez. Nas empresas, nos bares, em casa mesmo, está todo mundo torcendo como nunca pela seleção.

Nos dias de jogos do Brasil, o País entra em transe. As ruas ficam desertas e todo mundo vai para a frente da televisão, para sofrer e comemorar cada lance da partida, com rojões, gritos entusiasma­dos e gestos de preocupaçã­o.

Mesmo quando o Brasil não joga, o clima da Copa do Mundo se mantém. Depois de cada confronto, os milhões de “técnicos” do País pontificam por aí sobre o desempenho surpreende­nte da Rússia, a ingenuidad­e do Japão, eliminado pela Bélgica no último minuto do jogo, os pênaltis perdidos pela Colômbia.

Em meio à catarse coletiva, houve quem quisesse trazer para o futebol a polarizaçã­o política existente no Brasil. Teve gente dizendo que tinha vergonha de vestir a “amarelinha” porque foi um símbolo da luta pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff. Alguns chegaram a cobrir o distintivo da CBF com o logotipo de partidos políticos. Teve até ex-ministro que se vangloriou disso, sem qualquer constrangi­mento, na internet.

Mas quem imaginou que era possível estigmatiz­ar a gloriosa camisa do Brasil se deu mal. A quase totalidade da população deu de ombros aos que teimam em dividir o Brasil em “nós” e “eles”. Enquanto alguns tentavam semear a discórdia, a maior parte dos brasileiro­s vestiu com orgulho o manto sagrado da seleção de futebol.

É bonito ver todo mundo junto, “coxinhas” e “mortadelas”, pobres e ricos, homens e mulheres, brancos, negros e índios, formando aquela “corrente pra frente” de que fala o velho hino da Copa de 70. Independen­temente da ideologia de cada um, o Brasil é um só País, maior do que as tribos que tentam apequená-lo.

Felizmente, os tempos sombrios que vivemos na política e mesmo no futebol, em que a bandalheir­a prosperou a céu aberto com a bênção de autoridade­s e dirigentes esportivos, não foram suficiente­s para separar os brasileiro­s na hora de torcer pelo Brasil. Só falta, agora, a seleção trazer o caneco, para a gente poder comemorar o hexa, todo mundo junto, com desfile em carro do Corpo de Bombeiros e hordas de brasileiro­s ensandecid­os nas ruas.

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