O Estado de S. Paulo

Tá russo!

Uma cidade parada no tempo

- Glauco de Pierri ✽ ✽ REPÓRTER DO ESTADÃO

À exceção de seu moderno estádio, Nijni parece que ainda não saiu da URSS

Dez minutos dentro do trem de alta velocidade (não confunda com o trem-bala, que chega a 300 km/h. O de alta velocidade atinge 150 km/h) já são suficiente­s para que a paisagem pelas janelas se transforme no caminho entre o terminal ferroviári­o de Kurskaya, em Moscou, e Nijni Novgorod, que hoje recebe França e Uruguai, pelas quartas de final da Copa do Mundo.

Plantações descuidada­s, fábricas abandonada­s, pântanos gigantesco­s compõe a paisagem visível da janela do trem. Em quatro horas de viagem, o turista sai de Moscou, na Rússia, e parece ter entrado em uma cápsula do tempo, desembarca­ndo, quem sabe, na União Soviética.

Em Nijni não há os carrões do ano, que estão espalhados pelas ruas e avenidas da capital da Rússia. Também não existem muitos prédios, nem gigantesco­s shoppings, nem muitas opções de restaurant­es, ou sinalizaçã­o em inglês, como em Moscou. “Falta também um pouco de perspectiv­a para as pessoas”, diz Ekaterina, uma das voluntária­s na cidade que falam inglês.

Do terminal de passageiro­s da cidade até o estádio, a pé, são 25 minutos de caminhada. Diferente de Moscou, em Nijni os vira-latas estão em todos os cantos. E são daqueles tipos de cachorros que deitam no meio da rua e, se o carro quiser passar, ele que desvie.

O estádio surge imponente no horizonte, mas causa um certo impacto que, por sua vez, gera incerteza – o que vai ser feito com ele depois de hoje, último jogo do Mundial nesta simpática cidade? A primeira impressão é a de mais um dos estádios que poderão se transforma­r em elefantes brancos, assim como no Brasil, que também também tem os seus. O principal time de futebol da região disputa apenas a segunda divisão do futebol da Rússia.

Sair do estádio e tomar um táxi não é tarefa fácil, mas eu consegui ontem. O taxista tentou puxar conversa, em russo, e uma parte ficou clara – ele é do Azerbaijão e queria voltar para o seu país. Na Rússia inteira, os dados de desemprego de março deste ano apontam que 5% da população não tem trabalho. O número pode parecer pequeno, mas há uma pegadinha. Boa parte do mercado de trabalho é de autônomos em trabalhos informais e temporário­s – motoristas de aplicativo­s, garçonetes, vendedores em lojas de shoppings. Sem registros no emprego, ninguém tem a garantia de que o próximo mês estará com a vaga garantida.

O discurso governamen­tal é de que a taxa de desemprego nunca esteve tão baixa no país, e isso é uma verdade absoluta. O problema é que nem todo mundo consegue o emprego dos sonhos, ou algo que lhe satisfaça. “Você acha que eu vim de tão longe para ser motorista de aplicativo?”, reclama Igor, o motorista do Azerbaijão.

Na corrida entre o bonito estádio de Nijni e o hotel onde a reportagem está hospedada, são cerca de 20 minutos de um trajeto por casas simples, prédios em blocos, sem grande contrate como Moscou. Eram 22h (horário de Brasília) e ainda existia luz no céu russo. A cidade velha foi dando lugar a celeiros, casas modestas, algumas em ruas de terra.

É numa destas ruas, do outro lado da calçada, que fica o hotel. O taxista se perde algumas vezes, mas se localiza e pede pra reportagem descer antes da rua começar. A caminhada é lenta, porque o cenário é um tanto quanto aterroriza­dor e prende a atenção – celeiros como os de grandes sucessos de trailers de terror do cinema, mal-cuidados, apenas com a luz das televisões acesas dentro dos imóveis. Que fique bem claro: o problema não são as casas, mas sim o aspecto de abandono. Deu a sensação de estamos dentro de um filme de terror. Tomara que esse final seja feliz.

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JOHANNES EISELE/AFP Abandono. Casas simples, algumas em ruínas, são comuns

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