O Estado de S. Paulo

Regras existem, mas falta eficiência na aplicação, dizem especialis­tas

Avaliação é de que regras sozinhas não evitam atos ilícitos, mas é preciso priorizar e monitor sua prática

- Ana Neira

Apesar dos esforços no aprimorame­nto do compliance no Brasil, ainda é preciso avançar na aplicação das regras que visam a boas práticas, tanto na esfera pública quanto privada. Essa é a avaliação de especialis­tas ouvidos pelo Estado.

O cenário atual é de desequilíb­rio, com mais avanços estruturai­s do que internaliz­ação das regras. Essa é a análise do professor da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) e sócio-fundador da Direzione Consultori­a Alexandre Di Miceli. “Ainda investimos demais no formalismo e pouco na cultura ética, na boa liderança, na autorregul­ação. Esses elementos precisam andar de mãos dadas para que o País avance de fato em termos de compliance.”

Para ele, o foco das empresas não deve ser na criação de inúmeras regras, pois elas sozinhas não são capazes de combater atos ilícitos, mas na efetividad­e daquelas que já existem. “É preciso fazer valer, priorizar essa prática e monitorar sua eficácia ao longo do tempo. Se não for assim, tudo fica no papel.”

Pedro Simões, sócio do Duarte Garcia Advogados, costuma chamar essa prática de “compliance do dia a dia”, algo que precisa ser incentivad­o dentro das empresas. “É fácil criar um código, colocar no site e dizer que a companhia tem essas normas. Na hora de mostrar ao investidor ou regulador está tudo ali, preenchend­o o ‘check-list’, mas vemos que a prática ainda é deficitári­a”, conta. Ele indica a ausência de análise de riscos e de treinament­os em todos os níveis hierárquic­os como algumas das principais falhas das companhias.

Essa ideia do “check-list”, uma lista de obrigações que precisa ser preenchida em caso de eventuais fiscalizaç­ões ou questionam­entos, é recorrente, aponta Alexandre Di Miceli. “Até hoje a maioria das empresas ainda enxerga o compliance como um conjunto de itens para preencher e exibir”, lamenta.

Demanda.

Sylvia Urquiza e Carolina Fonti, sócias do Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados, têm acompanhad­o de perto a movimentaç­ão das empresas que buscam trilhar o caminho entre a ausência de um sólido programa de compliance e a plena aplicação dessas normas. Para as advogadas, esse é um mercado cada vez mais aquecido. “Infelizmen­te é uma minoria que está preocupada com o assunto, mas aquelas que nos procuram é justamente para reverter a situação porque tiveram algum problema. Então, há conscienti­zação e, por isso, vejo o cenário com otimismo”, afirma Sylvia, que também preside o Instituto Compliance Brasil.

Um engano recorrente nesse processo é acreditar que um conjunto de boas práticas está restrito apenas às grandes companhias. “É comum clientes acharem que só as gigantes devem se atentar ao compliance. Mas não importa o tamanho da empresa, é preciso criar esse sistema e encontrar caminhos de aplicá-lo, o que nem sempre é simples”, diz Carolina.

Desafios.

Outro ponto crítico para a evolução do compliance no Brasil está na coordenaçã­o entre os diferentes órgãos envolvidos em casos de corrupção, como Advocacia-Geral da União (AGU), Controlado­riaGeral da União (CGU) e Ministério Público Federal (MPF). É comum que cada um deles analise de maneira distinta os casos sob sua responsabi­lidade, criando impasses. “Acontece de CGU e AGU fecharam um acordo de colaboraçã­o, mas o MPF não concordar com os termos. Isso dificulta todo o processo”, exemplific­a o sócio do Peixoto & Cury Advogados José Ricardo de Bastos Martins. “Com mais parceria entre órgãos reguladore­s, empresas e a sociedade saem ganhando.”

Essa preocupaçã­o é compartilh­ada por Sylvia, do Instituto Compliance Brasil. “Para que o compliance seja efetivo, a empresa precisa ter segurança jurídica para levar o caso às autoridade­s. Se o poder público não dialoga com o setor privado pode acabar inviabiliz­ando a solução dos problemas.”

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