O Estado de S. Paulo

Em Portugal, com dinheiro do Brasil

Busca pelo visto ‘golden’, voltado a empresário­s e investidor­es, pode ter transferid­o R$ 1,3 bilhão do Brasil para Portugal apenas em 2017

- Fernando Scheller

Atraídos por facilidade­s como o visto especial concedido pelo governo português a investidor­es, empresário­s brasileiro­s buscam qualidade de vida em condomínio­s fechados nos arredores de Lisboa, mas mantêm negócios no Brasil, relata o enviado a Lisboa, Fernando Scheller.

É fim da tarde de uma sextafeira nos arredores de Lisboa. De sua casa em um condomínio fechado no estilo Alphaville, o empresário paranaense Aroldo Schultz, de 49 anos, despacha com os funcionári­os da sede da empresa de turismo que fundou há 31 anos, em Curitiba. Apesar de Schultz, a mulher, suas duas filhas e os cãezinhos Dior e Chanel viverem em Portugal desde 2014, o sustento da família vem do Brasil. Eles fazem parte de um contingent­e cada vez maior de brasileiro­s que mantêm seus negócios girando no País enquanto buscam uma vida mais tranquila em Portugal.

Apesar de Schultz e a mulher Andréa, de 42 anos, terem aberto um serviço de turismo em vans em Portugal, por enquanto, todo o dinheiro é provenient­e dos negócios no Brasil. “O negócio em Portugal só se paga”, define Andréa. Depois de muito vaivém entre Curitiba e Lisboa, Schultz conseguiu reduzir a “ponte aérea” e toca a empresa pelo Skype. O casal é também exemplo de um tipo de imigrante que Portugal está buscando com afinco: gente com dinheiro para investir, seja em imóveis ou na abertura de negócios, e que está em busca da qualidade de vida oferecida por Portugal.

Schultz e Andréa obtiveram o visto “golden”, autorizaçã­o de residência para investidor­es. Após terem sido feitos reféns em um assalto no condomínio de luxo em que viviam em Curitiba, decidiram empacotar tudo e tentar a vida em terras lusitanas em 2014. Como não se qualificam para a cidadania portuguesa por descendênc­ia, tiveram de desembolsa­r mais de 500 mil pela casa onde vivem, no Belas Clube de Campo, condomínio que inclui residência­s, edifícios de apartament­os e um campo de golfe, entre outras comodidade­s.

No ano passado, a concessão desses vistos rendeu mais de 1,6 bilhão ao governo português, que se abriu a imigrantes porque tem uma grande população idosa – cerca de 20% dos residentes têm 65 anos ou mais. Descontand­o as autorizaçõ­es de residência aos dependente­s, a cifra bilionária foi arrecadada com 1.292 permissões concedidas em 2017. Cada novo investidor em Portugal trouxe ao país 1,28 milhão, em média. Embora o custo seja alto, Andrea e Schultz dizem que a decisão de deixar o Brasil é definitiva e vale a pena. “A gente aqui tem uma vida mais livre. Da últi- ma vez que fui a Curitiba, fui assaltado em uma farmácia”, lembra ele. A permanênci­a, porém, não é livre de “soluços”, como a burocracia portuguesa – que, segundo Andrea, consegue ser ainda mais difícil de navegar do que a brasileira. Ela faz

um alerta aos que estão de olho no visto “golden”: além de investir no imóvel, a família precisa ter condições de arcar com os custos de renovação da autorizaçã­o de residência por cinco anos, que giram em cerca de ¤ 20 mil por pessoa.

Interesse. O Brasil é a segunda nação em obtenção de vistos “golden”, atrás apenas da China. Só no ano passado, 226 famílias brasileira­s se transferir­am do Brasil como investidor­es ou donos de imóveis – ao custo unitário de ¤ 1,28 milhão, isso significa a transferên­cia direta de ¤ 289 milhões (cerca de R$ 1,3 bilhão) a Portugal. Em dois anos, a concessão desse tipo de visto a brasileiro­s disparou 340%.

O visto “golden” está longe de refletir o atual ciclo migratório do Brasil para Portugal. Isso porque o investidor que tem cidadania europeia não entra nessa estatístic­a. É o caso do empresário Manoel Barbosa, nascido em Londrina (PR), mas com passaporte suíço. Dono da Rota Oeste, uma das maiores redes de concession­árias do CentroOest­e, ele vive hoje com a mulher e os três filhos no bairro lisboeta de Belém. Enquanto a família permanece em Portugal, Barbosa, de 46 anos, dividese entre os dois países para cuidar dos negócios.

“São Paulo me expulsou do Brasil”, diz o empresário, em referência à cidade onde morava antes de se transferir a Portugal, em 2016. “Não estava satisfeito com a qualidade de vida, com o trânsito e a inseguranç­a.” Em 30 dias, a família se organizou para ficar entre 18 e 24 meses na Europa. Após esse período de “experiênci­a”, numa casa alugada em Cascais,

“São Paulo me expulsou do Brasil. Não estava satisfeito com a qualidade de vida, com o trânsito e a inseguranç­a.” Manoel Barbosa EMPRESÁRIO

“Se a gente não tivesse comprado a casa lá atrás (em 2014), não sei se conseguirí­amos comprar hoje.” Andrea Schultz EMPRESÁRIA

balneário de luxo, Barbosa decidiu fincar raízes. Comprou uma casa em Belém e agora vê a permanênci­a em Portugal como definitiva.

Por enquanto, o sustento da família vem do Brasil. Barbosa já fez uma tentativa de abrir uma empresa em Portugal, mas o projeto não foi adiante. Ele vai, porém, ampliar o leque de investimen­tos imobiliári­os. No dia em que conversou com o Estado, o londrinens­e reservou dois apartament­os – um de quatro quartos e outro de dois – no projeto Unique Belém, localizado ao lado do palácio do governo português.

Os dois apartament­os, que o empresário ainda não decidiu se usará como moradia – caso a família se transfira para o edifício, eles serão transforma­dos em um –, custarão cerca de 1,5 milhão. O Unique Belém tem uma corretora dedicada a atender os brasileiro­s de passagem por Lisboa. Os apartament­os partem de 500 mil (R$ 2,3 milhões), segundo a diretora de vendas da incorporad­ora Casa em Portugal, Lisette de Almeida, justamente a cifra mínima para obtenção do visto golden.

Câmbio. As empresas que fazem a corte aos endinheira­dos brasileiro­s, no entanto, começam a se preocupar com a desvaloriz­ação do real nesse momento de tensão pré-eleições. Enquanto empresário­s de maior porte, como Barbosa, continuam a fazer investimen­tos apesar do euro a R$ 4,60, bolsos menos fundos já começam a adiar a decisão de morar em Portugal. O casal Schultz, que chegou em 2014, acredita que se deu bem ao vir para Portugal antes do início da atual “onda” de imigração. “Se a gente não tivesse comprado a casa lá atrás, não sei se conseguirí­amos comprar hoje”, diz Andréa.

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Opção. O casal Schultz comprou uma casa em condomínio fechado; Barbosa trouxe família para ‘experiênci­a’, mas decidiu permanecer em Portugal
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FOTOS FERNANDO SCHELLER/ESTADÃO

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