O Estado de S. Paulo

Ugo Giorgetti

- UGO GIORGETTI ✽ CINEASTA E COLUNISTA DO ‘ESTADÃO’

Na digna derrota para a Bélgica, vimos ressurgir a mística da seleção brasileira.

Copa do Mundo não é um torneio justo. Nunca foi, mas só admitimos isso quando perdemos. Não faz mal, ainda assim é um reconhecim­ento. Nesse Mundial, ainda vão continuar equipes medíocres e ficar de fora equipes poderosas. É um torneio que apresenta o que há de pior e de melhor nos mata-mata.

O pior é, sem dúvida, entregar à sorte e aos pênaltis o destino de uma partida. O Brasil é uma equipe que acabou ficando de fora. O importante, porém, é saber como ficamos de fora. Com choro, ataques histéricos, tomando baile, todos perdidos em campo sem nenhuma reação? Desta vez, não.

A equipe foi diferente e foi diferente quando devia ser diferente: durante os quarenta e cinco minutos finais do jogo contra a Bélgica. O primeiro tempo parecia uma reprise do que estávamos já nos acostumand­o a ver do Brasil. O time perdido em campo e o adversário jogando à vontade, sem medo e sem temor.

Alguma coisa, contudo, aconteceu no vestiário – ou talvez já dentro do campo – na volta para o segundo tempo. Talvez não tivesse nada a ver com instruções geniais e mudanças de táticas surpreende­ntes e mirabolant­es. Não, acho que não foi isso. Acho que se abateu sobre os jogadores a sensação de que aquilo não podia continuar. Aquele verdadeiro esculacho com uma seleção campeã do mundo diversas vezes tinha de ter um fim.

Como desconhece­r uma seleção dessas, uma camisa dessas? Por milagre, pode ser com a presença invisível de craques vivos e mortos do passado, o fato é que bateu nessa equipe um espírito de Brasil. Não patriótico, não de ficar cantando o hino como um bando de possessos, mas simplesmen­te virar uma equipe brasileira. E quem teve medo foram os belgas.

Não importa se a bola não entrou, se o último chute foi errado, se o goleiro belga estava, como se dizia antigament­e, em tarde inspirada. Não importa nada disso. Importa ter visto a Bélgica recolhida em seu campo e dando chutões para todo o lado. Importa ver que o toque de bola despreocup­ado da Bélgica acabou e se transformo­u em temor, para não dizer em desespero, muitas vezes. Importa ter visto ressurgir a mística do Brasil.

Depois do jogo, a entrevista do técnico belga, ainda dentro do campo, era o reconhecim­ento de que o futebol brasileiro, ainda que eliminado, tinha cumprido sua missão. Quase com lágrimas nos olhos, o treinador espanhol da Bélgica, time que não perde há mais de 20 partidas, mal podia falar e parecia não crer no que lhe tinha acontecido ali.

Foi bom ter visto isso, foi bom ver que o técnico da Bélgica, e talvez muitos jogadores de sua equipe, tinham passado uma noite bem mal dormida pensando que iam enfrentar o Brasil.

Depois da última Copa do Mundo, parece que tínhamos descido até o fundo do poço. A moda era ridiculari­zar jogadores e treinadore­s brasileiro­s, principalm­ente os que ainda tinham a desventura de jogar no Brasil. A última coisa a se prestar atenção era o Campeonato Brasileiro. Parte disso pode ter acabado no jogo de sextafeira. Curiosamen­te, será o efeito não de uma vitória, mas de uma derrota, uma digna derrota.

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