O Estado de S. Paulo

Com violência, 13 pessoas somem por dia no México

Parentes de desapareci­dos investigam casos por conta própria, tornando-se um retrato da ausência do Estado e da falência da segurança pública no país

- Cristiano Dias

Mães de desapareci­dos no México se unem em busca de pistas, enquanto parte da polícia é comprada pelos cartéis, responsáve­is pelos crimes. Em abril, 37,4 mil estavam sumidos, informa Cristiano Dias, enviado a Guadalajar­a.

Em 17 de janeiro de 2011, José Luis Arana Aguilar, de 34 anos, saiu de carro para encontrar o irmão e desaparece­u. Sua mãe, Guadalupe Aguilar, foi avisada por telefone, duas horas depois. Lupita, como é conhecida, percorreu três vezes o caminho que o filho faria, conversou com as pessoas na rua, mas ninguém viu nada.

Quando percebeu a gravidade do caso, ela recorreu à polícia de Guadalajar­a. “Eles me disseram que a denúncia só poderia ser aberta 72 horas após o desapareci­mento. Mas se dispuseram a abrir um inquérito para investigar o roubo do carro”, contou. “No México, um veículo é mais importante do que meu filho.”

O caso de Lupita, que busca o filho há mais de sete anos, é o retrato da ausência do Estado mexicano. Em abril, segundo o registro nacional de pessoas extraviada­s, o México tinha 37.435 desapareci­dos forçados, cerca de 75% deles são homens e jovens, como José Aguilar. O ritmo é de 13 casos por dia.

O desapareci­mento afeta as famílias de uma maneira mais cruel do que outras formas de violência, como o assassinat­o. “Não existe desfecho. É um luto constante”, afirma

Isabel Velarde Rivas. Em março, seu filho, Germán Cabrera Velarde, de 26 anos, foi levado por homens armados quando saía de casa. Desde então, sem ajuda da polícia, ela investiga o caso por conta própria. “Minha vida virou uma busca constante. Vivo em pânico, olhando para todos os lados, sempre junto ao celular. Só durmo porque o corpo pede.”

Em 2014, Lupita fundou o grupo Famílias Unidas por Nossos Desapareci­dos Jalisco (Fundej), uma versão mexicana das Avós da Praça de Maio, na Argentina. Na semana passada, ela, Isabel e cerca de 15 parentes se reuniram em uma sala perto do centro histórico de Guadalajar­a. Na mesa, o único homem era José Raúl García. Muito abatido, ele procura pelo filho, Raúl García Galván, de 20 anos, que desaparece­u em abril. “Quanto mais o tempo passa, menos esperança eu tenho de encontrá-lo”, disse. “O mais revoltante é que governo e polícia não fazem nada. Até hoje não consegui fazer um exame de DNA, porque há poucos funcionári­os e os corpos chegam mais rápido do que eles conseguem processar.”

Sem ajuda, é comum que os parentes assumam as investigaç­ões – pelo menos aqueles que podem bancar esse luxo. Dois meses após perder o filho, Lupita recebeu um telefonema anônimo, dizendo que o carro do filho estava em Manzanillo, no Estado vizinho de Colima, a quatro horas de Guadalajar­a. “O carro estava no depósito da cidade, mas não me deixaram entrar”, conta.

À noite, ela subornou um funcionári­o e conseguiu ingressar. Enfermeira aposentada, Lupita fez o trabalho da polícia científica. De luvas, examinou o carro, tirou fotos e retirou uma tira do tapete sujo de sangue. Mais tarde, um exame de DNA mostraria que o sangue era do filho desapareci­do. Apesar de ter avançado muito mais do que a polícia, foi o mais perto que ela conseguiu chegar de José Luis.

Vários especialis­tas mexicanos consultado­s pelo Estado culpam o crime organizado pela maioria dos desapareci­mentos forçados e apontam quatro razões. As duas mais comuns são a venda de crianças para adoção ilegal e a prostituiç­ão, especialme­nte em paraísos turísticos como Cancún. Mais raro seria o sequestro para trabalho escravo em laboratóri­os de processame­nto de droga, empacotame­nto e plantio de maconha e papoula.

O tráfico de órgãos, a quarta razão por trás dos desapareci­mentos, é a mais discutível. Segundo Martín Barrón, do Instituto Nacional de Ciências Penais, a cirurgia de retirada de órgãos requer mão de obra muito especializ­ada, coisa que os cartéis não teriam. Guillermo Gutiérrez Romero, presidente da Fundação Nacional de Investigaç­ão de Crianças Desapareci­das, também é cauteloso, mas não descarta a possibilid­ade de que as operações sejam realizadas nos EUA.

O drama dos desapareci­mentos forçados expõe um sistema de segurança pública fracassado. O México tem mais de 2 mil corporaçõe­s policiais, o que aumenta o risco de conflitos de jurisdição. Algumas são federais. Outras, estaduais. A maior parte, no entanto, está na esfera municipal. Em cerca de metade dos 2 mil municípios mexicanos, a tropa tem menos de 20 policiais. Mal remunerado­s, trabalham 65 horas por semana, sem férias, e pagam a munição que usam do próprio bolso.

A fragilidad­e faz com que as corporaçõe­s municipais sejam as primeiras a entrar na folha de pagamento do crime organizado. Há alguns anos, Guadalajar­a, segunda maior cidade do México, capital do Estado de Jalisco, deixou seu ar de aparente tranquilid­ade e passou a ser território dominado pelo cartel Jalisco Nueva Generación, um dos mais violentos do país. Em todo o Estado, um em cada cinco policiais municipais está comprado pelo cartel, segundo dados da Procurador­ia-Geral de Jalisco, e 70% deles não atuam contra os narcotrafi­cantes.

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HENRY ROMERO/REUTERS Vítimas. Parentes pressionam por investigaç­ão

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