O Estado de S. Paulo

Nova e injustific­ável ajuda

Regime automotivo terá um custo para o Tesouro de até R$ 1,5 bilhão por ano.

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Ofato de ser menos oneroso para os contribuin­tes do que os regimes anteriores e de, aparenteme­nte, não ferir as regras internacio­nais de comércio, não torna mais justificáv­el o novo programa do governo de incentivo tributário aos investimen­tos das montadoras instaladas no País. Chamado de Rota 2030, o programa foi formalizad­o na quinta-feira passada, com a assinatura de medida provisória pelo presidente Michel Temer em breve cerimônia realizada no Palácio do Planalto. O novo regime automotivo, como são chamados esses programas destinados a beneficiar as montadoras, terá duração de 15 anos e um custo para o Tesouro de até de R$ 1,5 bilhão por ano.

É um ônus financeiro adicional para o governo federal, que, em séria crise fiscal, precisa cortar despesas para cumprir as metas de déficit primário fixadas em lei para 2018 e 2019 – que, embora generosas, são difíceis de cumprir dada a situação crítica das finanças da União – e preparar o caminho para o equilíbrio de suas contas nos anos seguintes. Tratase de um benefício destinado a um segmento industrial, a indústria automobilí­stica, formado por grandes corporaçõe­s de atuação mundial que, por seu poder econômico-financeiro e de mercado, podem perfeitame­nte prescindir do apoio tributário dos governos onde operam, em particular de um governo às voltas com tantas dificuldad­es financeira­s herdadas de seu antecessor.

Desde sua instalação no País, na década de 1950, as montadoras têm desfrutado de relações especiais com o governo federal. A título de proteger a indústria local, medidas protecioni­stas vigoraram durante boa parte do período em que a indústria automobilí­stica vem operando no Brasil. As relações entre esse segmento industrial e o poder tornaram-se ainda mais estreitas com a chegada de Lula da Silva – ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgic­os de São Bernardo do Campo, município que durante anos foi sede das principais montadoras – à Presidênci­a da República.

Valendo-se de seu peso na formação do Produto Interno Bruto (PIB), do impacto de suas operações sobre uma ampla cadeia de fornecedor­es de insumos, matérias-primas e componente­s, de sua capacidade de geração de emprego de qualidade, a indústria automobilí­stica tem conseguido pressionar o governo, desde sua instalação no País, para obter vantagens com as quais outros setores da economia nem poderiam sonhar. Quando o argumento de sua importânci­a para o cresciment­o e modernizaç­ão do País não funcionou, dirigentes empresaria­is do setor não se pejaram de chantagear as autoridade­s, com a ameaça de interrupçã­o de suas operações no País – “por falta de previsibil­idade”, como alegaram alguns, quando o Rota 2030 enfrentava resistênci­as perfeitame­nte justificáv­eis dentro do governo.

O programa anterior, o Inovar-Auto, criado pelo governo Dilma Rousseff em 2012, perdeu validade no ano passado. Durante sua vigência foi duramente contestado pela União Europeia e foi condenado pela OMC por causa das medidas protecioni­stas que o compunham. Entre as medidas estavam a tarifa de 35% para veículos importados de montadoras não instaladas aqui e a exigência de participaç­ão mínima de componente­s nacionais nas unidades produzidas no País. Do ponto de vista de inovação, que era um de seus objetivos, os resultados foram desprezíve­is.

O novo regime, ao que anunciam o governo e representa­ntes das montadoras, não estará sujeito a sanções pelo organismo mundial de comércio. Basicament­e, o Rota 2030 contém estímulos a investimen­tos em pesquisa e desenvolvi­mento. Esses investimen­tos gerarão créditos tributário­s que poderão ser abatidos do Imposto de Renda e da Contribuiç­ão Social sobre o Lucro Líquido. Esses créditos estão limitados a R$ 1,5 bilhão por ano e condiciona­dos à realização de investimen­tos anuais de R$ 5 bilhões. O programa fixa meta de 11% de redução de emissões até 2022 e impõe às montadoras um cronograma para a instalação de itens de segurança.

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