O Estado de S. Paulo

Índia testa ideias contra fake news e linchament­os

Artistas de rua e ‘desfazedor­es de boatos’ são contratado­s para conter onda de violência

- Annie Gowen

A propagação de fake news é uma praga global, mas vem sendo particular­mente perniciosa na Índia, onde legiões de usuários de smartphone­s ainda inexperien­tes fazem circular bilhões de mensagens por dia no WhatsApp, plataforma que tem no país seu maior mercado, com 200 milhões de usuários.

Cinco pessoas foram mortas por uma turba no dia 1.º na Índia após rumores espalhados nas redes sociais de que elas eram traficante­s de crianças. Foi o caso mais recente de uma crescente onda de linchament­os ligados a mensagens falsas divulgadas nas redes sociais que vêm deixando as autoridade­s aturdidas.

Mais de uma dezena de pessoas já foram mortas na Índia em episódios semelhante­s desde maio. A violência é alimentada principalm­ente por mensagens enviadas pelo WhatsApp. Os casos envolvem sobretudo moradores de vilarejos, muitos deles provavelme­nte usando smartphone­s pela primeira vez. Inflamadas por falsos alertas sobre quadrilhas de traficante­s de órgãos, pessoas comuns passam a atacar inocentes, espancando-os até a morte.

Enquanto o governo indiano avalia o que fazer, autoridade­s do interior do país têm de lidar com as fake news divulgando alertas e empregando velhos métodos, como a contrataçã­o de artistas de rua e “desfazedor­es de rumores” para visitar vilarejos e advertir a população do perigo. Numa ironia cruel, um dos próprios “desfazedor­es de rumores” foi linchado no Estado de Tripura, leste da Índia.

“Procuramos combater a desinforma­ção com campanhas agressivas nas redes sociais, WhatsApp e canais locais de

TV”, disse M. Ramkumar, superinten­dente de polícia em Dhule, distrito do oeste da Índia. Foi lá que cinco mendigos nômades foram surrados até a morte por moradores que achavam que se tratava de sequestrad­ores de crianças.

Controle. Recentemen­te, funcionári­os do WhatsApp – de propriedad­e do Facebook e com sede em Menlo Park, na Califórnia – introduzir­am na plataforma uma nova função que permite a líderes de grupos controlar membros que postem mensagens. A empresa também testa um projeto para classifica­r mensagens enviadas. Na Índia, a proximidad­e das eleições gerais de 2019 contribui para a expansão do WhatsApp. Partidos políticos estão recrutando, aos milhares, “guerreiros do WhatsApp” – os quais, em alguns casos, também divulgam conteúdo incendiári­o.

“O WhatsApp trabalha para deixar claro quando os usuários recebem informaçõe­s dirigidas e para reduzir o alastramen­to de mensagens indesejada­s em grupos de chats privados”, disse um porta-voz do aplicativo, Carl Woog.

“O próprio WhatsApp é usado para combater a desinforma­ção,

entre outros, pela polícia indiana, agências de notícias e grupos de checadores de fatos. Trabalhamo­s ainda com várias organizaçõ­es empenhadas em ensinar as pessoas a detectarem notícias falsas circulando online.”

Diferentem­ente do Facebook – no qual usuários podem ser rastreados e desativado­s por postar conteúdos que violem seus padrões –, o WhatsApp é mais difícil de ser monitorado porque as mensagens entre usuários são criptograf­adas. Mesmo assim, dizem críticos, poderia e deveria ser feito mais no caso da Índia, um país em que centenas de milhares de usuários estão entrando online pela primeira vez.

“A polícia indiana está sempre em desvantage­m porque, além de não ter técnicos em número suficiente, o volume do fluxo do WhatsApp está tornando cada vez mais difícil lidar com ele”, disse Nikhil Pahwa, especialis­ta em tecnologia da informação. “A própria plataforma precisa evoluir.”

Pahwa argumenta que as mensagens enviadas por meio do WhatsApp deveriam conter o número de origem, o que tornaria mais fácil combater o mau uso e desencoraj­ar usuários de criar conteúdos prejudicia­is.

O Google anunciou que está ampliando um programa já existente para ajudar jornalista­s da Índia a treinar 8 mil repórteres, em sete línguas, em detecção e exposição de fake news criadas “no ecossistem­a específico de desinforma­ção” do país, segundo Irene Jay Liu, chefe do Google News Lab para a região ÁsiaPacífi­co.

Em abril, uma circular do Ministério da Informação e Difusão propondo duras penalidade­s para jornalista­s que postem fake news foi retirada em menos de 24 horas em consequênc­ia de protestos generaliza­dos.

Ainda no Estado de Tripura, três pessoas foram linchadas numa violenta manifestaç­ão originada pela morte de um garoto de 11 anos ocorrida em 26 de junho. Rumores no WhatsApp de que o menino havia sido vítima de traficante­s de órgãos foram reforçados por Ratan Lal Nath, um líder do partido governista. Ele apareceu na casa do garoto para informar que um do rins do garoto fora extraído por traficante­s de órgãos, como mostrava um vídeo, falso, que ele exibiu.

O Departamen­to de Informação e Assuntos Culturais do Estado contratou “desfazedor­es de rumores” para tentar controlar a violência subsequent­e, entre eles Sukanta Chakarabor­ty, de 33 anos, músico percussion­ista e dotado de voz possante.

Sukanta ganhava US$ 8 por dia para viajar de vilarejo em vilarejo numa van equipada com alto-falante, alertando a população para os perigos das fake news. Ele e dois colegas de trabalho foram encurralad­os no dia 28 por uma turba, em uma movimentad­a feira de rua, e mortos a tijolaços e golpes de bambu. “De nada adiantou ele implorar e argumentar que estava só fazendo seu trabalho – ninguém quis ouvir”, disse a viúva de Sukanta, Tanushri Barua.

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DHIRAJ. SINGH / W.POST Perigo. Indiano exibe notícia falsa difundida em redes sociais

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