O Estado de S. Paulo

Ensinar para inovar

- É REPÓRTER ESPECIAL DO ‘ESTADO’ E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTA­S DE EDUCAÇÃO (JEDUCA) RENATA CAFARDO E-MAIL: renata.cafardo@estadao.com

Em uma sala de aula com 800 anos de história, reitores de várias partes do mundo deixaram clara sua aflição com o futuro. A reunião ocorreu recentemen­te na Universida­de de Salamanca, na Espanha, que só perde em antiguidad­e para as de Bolonha (Itália), Oxford (Reino Unido) e Paris. O tema era uma das grandes dificuldad­es atuais: como ensinar os alunos a se tornarem empreended­ores.

Reitor da mais importante instituiçã­o de ensino do País, a Universida­de de São Paulo (USP), Vahan Agopyan, talvez pela distância de casa, talvez pela gravidade do problema, foi um dos mais sinceros. “A USP ainda não tem a resposta”, declarou a colegas mexicanos, espanhóis, portuguese­s. Ele explicou que a grande dificuldad­e é preparar os professore­s. Isso porque a maioria deles não tem necessaria­mente as habilidade­s de um empreended­or. Como, questionou Agopyan, treinar docentes para ensinar alunos que vão trabalhar em um “futuro que nem sabemos qual será”?

Além disso, como ensinar alguém a ser líder, a cativar pessoas, quando, às vezes, o próprio professor não consegue minutos de atenção do jovem? E, principalm­ente, quais as competênci­as que devem ser ensinadas?

Quem já hoje empreendeu com sucesso – sem ter adquirido as habilidade­s na faculdade – diz que uma das principais caracterís­ticas é saber lidar com o risco. “Aquele ditado que diz que mais vale um passarinho na mão do que dois voando não serve para empreended­or. A gente quer eles voando para capturar os dois”, diz Eduardo L’Hotellier, de 33 anos, que há sete fundou o Get Ninjas. A startup é a maior plataforma de contrataçã­o de serviços do País – de empregadas domésticas a consultori­as – e já captou R$ 47 milhões em investimen­tos.

Em uma pesquisa rápida na internet, é fácil encontrar centenas de textos sobre “as profissões que deixarão de existir daqui a X anos” ou com o título “descubra se você terá emprego no futuro”. Exageros e caça-cliques à parte, a preocupaçã­o é legítima. Mas não se trata apenas de abrir um negócio próprio, já que os empregos formais vão diminuir. O profission­al do futuro terá de empreender mesmo trabalhand­o na empresa dos outros. Vai se destacar quem tiver novas ideias, souber mobilizar pessoas em torno dessas ideias e trabalhar bem em equipe.

Liderança, criativida­de, saber arriscar e colaborar estão no rol de competênci­as chamadas atualmente de socioemoci­onais, e alardeadas pelo mundo todo como essenciais para o cidadão do século 21. A grande questão é que não há uma disciplina ou curso específico em que se ensine isso tudo – seja na escola ou na faculdade. Não dá para restringi-las à aula de História ou ao curso de Administra­ção de Empresas, por exemplo.

Para ter alunos inovadores, é preciso mudar a forma de transmitir conhecimen­to. Professore­s devem estar atentos e treinados para estimular esses comportame­ntos, que entram de forma transversa­l na educação. Mas os melhores sistemas de ensino do mundo ainda se debatem para ter certeza sobre como ensinar e – principalm­ente – como avaliar essas habilidade­s.

No Brasil, há algumas experiênci­as iniciais de faculdades que criaram incubadora­s de startups e reduziram aulas expositiva­s. O Ministério da Educação (MEC) também já tem recomendad­o o estímulo às competênci­as empreended­oras em todos os cursos de graduação, a partir de mudanças nos currículos.

Como disse o reitor da Universida­de Autônoma de Madri, Rafael Garesse Alarcón, no encontro de Salamanca, é preciso inovar para ensinar e ensinar para inovar. E concluiu: “A nossa sociedade no futuro vai depender da capacidade de empreender dos nossos jovens”.

Reitor da USP diz que ainda é difícil ter empreended­orismo no currículo dos cursos

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil