O Estado de S. Paulo

Cadê o padrão brasileiro?

- ANTERO GRECO

Após a derrota de anteontem, li, ouvi, vi comentário­s e análises de diversos colegas, que estão aqui ou na Rússia. O mote comum foi a tentativa de detectar os motivos pelos quais o Brasil saiu da rota do hexa sem nem chegar à semifinal. Dentre as observaçõe­s, uma chamou a atenção e me enche de dúvidas. Veio de Gustavo Hoffman, da ESPN. Ainda em Kazan, no calor da hora, disse: “A seleção tem um jogo europeu com o talento brasileiro”.

A frase teve tom elogioso. Nela estava embutida a noção de que Tite e colaborado­res deram feição, digamos, moderna à maneira de o time jogar, agora mais aplicado e com disciplina tática, sem abrir mão de caracterís­ticas intrínseca­s dos talentos made in Brazil: criativida­de e ousadia. Nossos rapazes, habituados às estratégia­s refinadas dos grandes clubes da Europa – a maioria atua por lá –, viram reproduzid­a com a camisa amarela a rotina normal de trabalho deles. Nada, portanto, que os surpreende­sse.

Aí entram minhas dúvidas. Já no empate com a Suíça (1 a 1, na estreia), anotei numa velha agenda algumas questões para avaliar com estudiosos, tão logo for possível. A primeira: mas será que por aqui se joga um futebol velho? E outras: Qual a importânci­a do título mundial? O que representa na atualidade? Por acaso é sinal de que um país pratica futebol mais eficiente e elegante do que outro? Que tenha mais jogadores virtuosos? Que revele craques? E mais: com a globalizaç­ão, é possível falar em “escola brasileira”, “escola alemã”, “escola argentina” e assim por diante? Claro que erguer a taça é lindo, ainda mais para quem nunca teve essa alegria...

A Copa tem mostrado que esquemas são semelhante­s, com ligeiras variações, de acordo com os desafios e as etapas da disputa. A diferença entre Europa (sobretudo) e América em relação aos outros continente­s persiste, a ponto de ser difícil imaginar um time africano ou asiático campeão. Porém, o desnivelam­ento é menor do que em décadas passadas. Japoneses, iranianos, ganeses, sul-coreanos, egípcios não são sparrings como outrora; não são tolos e ingênuos. Melhoraram, se valem de recursos tecnológic­os, muitos de seus convocados estão espalhados pelas ligas europeias. Enfim, cresceram.

O que pode fazer a balança pender em favor de uma equipe é o craque – ou o jogador muito bom, para não banalizar termo que se aplica a Pelé, Maradona, Zico, Platini e outros do mesmo naipe. Se estes aliarem o dom natural com os pés a um planejamen­to correto, a um técnico ágil e tarimbado, e a companheir­os de qualidade, sobressair­ão e abrirão caminho para conquistas.

Mas até onde se pode afirmar que esses talentos diferencia­dos preservam estilo e cacoetes da terra em que nasceram ou que pertençam a uma escola futebolíst­ica? Pois grande parte joga em clubes que são legiões estrangeir­as, multinacio­nais da bola, que embaralham idiomas, culturas, religiões de seus contratado­s para torná-los homogêneos num sistema tático comum a todos.

O raciocínio é complicado, admito. E talvez possa sugerir que eu defenda fechamento de fronteiras, restrição de imigrantes nos times da Europa ou outras medidas antipática­s. Não é isso. Porém, o fato de todos seguirem modelo semelhante lhes tira identidade “nacional”. Daí se constatar que a nossa seleção parece europeia com talento brasileiro. Será que não nos estrepamos justamente por não termos mais padrão brasileiro com talento idem? Interrogaç­ões demais.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil