Amor sem fronteiras
Comunidade no Líbano acompanha e sofre com o adeus da seleção brasileira na Copa do Mundo
As bandeiras do Brasil estão por toda a parte e tiros são ouvidos, mas não estamos em uma favela do Rio de Janeiro: em um bairro humilde na periferia de Beirute, a capital do Líbano, a seleção brasileira de futebol desperta paixões.
“Aqui somos todos brasileiros. Amamos o Brasil, não importa o que aconteça, mesmo que perca”, assegura Ali, de 24 anos, após a eliminação da equipe da Copa do Mundo, anteontem, nas quartas de final, com a derrota para a Bélgica: 2 a 1.
Na periferia sul de Beirute, apesar da seca de títulos mundiais do Brasil desde 2002, os brasileiros continuam a reinar e as pessoas admiram sobretudo estrelas de outras épocas, como Ronaldo, Pelé, Roberto Carlos, além, é claro, de Neymar.
É comum ver casas decoradas com bandeiras brasileiras e cartazes com as imagens dos jogadores em lojas.
“O torcedor deve apoiar sua equipe nas vitórias, mas também nas derrotas”, prossegue Ali, que trabalha como entregador para uma multinacional.
No Líbano, o Brasil é percebido como um país próximo por razões históricas e familiares. Milhões de libaneses da diáspora escolheram como casa, no século 19, o maior país da América do Sul. Inclusive, o atual presidente do País, Michel Temer, é de origem libanesa.
Em um país com problemas de desigualdades sociais e econômicos, onde serviços básicos como fornecimento de água, eletricidade ou coleta de lixo são dramas regulares do dia a dia para milhares de pessoas, a paixão pelo futebol, assim como no Brasil, ajuda a esquecer as dificuldades cotidianas.
Como em casa. Haydar Baddar, de 38 anos, instalou um projetor fora de casa, em uma rua estreita. Dezenas de torcedores invadem a calçada e se sentam em cadeiras de plástico, principalmente homens, para ver as partidas. O número 10 de Neymar domina as camisas.
Algumas meninas são vestidas com as cores do Brasil, com camisa amarela e véu azul cobrindo os cabelos. Há famílias que assistem às partidas de suas varandas, ao som de tambores e vuvuzelas, quase como se a sua seleção nacional estivesse jogando, algo que fica claro com a comemoração do único gol brasileiro na derrota para os belgas, marcado por Renato Augusto. Ao fim da partida, alguns tinham lágrimas nos olhos.
Haydar Baddar saca sua pistola e dispara para o ar. “Aqui, nesses bairros, vemos o Brasil, seus bairros e suas ruas, como se fossem nossa casa”, assegura o homem de barba bem aparada.
“Na periferia sul, desde que nascem, os meninos jogam futebol no asfalto. Não há campos de futebol. Quando cai a noite, às vezes, todos nós jogamos”, explica o comerciante.
Hussein Mohamed, de 25 anos, diz ter abandonado a escola “por causa do futebol”.
“Saía da escola, tirava a mochila e ia jogar na rua”, recorda. Ele carrega o Brasil na pele, literalmente: tatuou o escudo da seleção, com suas cinco estrelas mundiais. “É uma história de amor desde a infância. Um vício”, garante.
“Estamos num país que está numa situação muito ruim. Este bairro é muito pobre. O futebol te faz esquecer. Quando estou de saco cheio, vou ao estádio e esqueço dos problemas”, conta Mohamed, relatando algo tão familiar ao Brasil./AFP