O Estado de S. Paulo

Figurino de estrela

Fábio Namatame vira uma grife das coxias, como o figurinist­a mais requisitad­o do País

- Maria Rita Alonso

Quem acompanha a programaçã­o teatral de São Paulo, certamente conhece o trabalho desse figurinist­a. Fábio Namatame, 59 anos, é um dos profission­ais mais requisitad­os do País. Em uma rápida volta pelo seu ateliê, que fica no bairro de Santa Cecília, é possível ter dimensão do tamanho da grife que ele virou nessa área: toneladas de tule, seda, paetês, ali tem de tudo. Entre espumas de variados tipos, tecidos finos e bordados rococós, vemos a pluralidad­e dos seus trabalhos – que vão das grandes montagens de óperas à nova peça cool de Jô Soares, passando inclusive por espetáculo­s infantis.

É dele o guarda-roupa deslumbran­te do musical A Pequena Sereia, em cartaz no Teatro Santander até o fim deste mês. A produção foi discutida por meses ao lado da diretora americana Lynne Kurdziel. O projeto do figurino só seguiu em frente após aprovação da própria Disney. “Foi bem desafiador”, conta Fábio. “Eles são muito rigorosos com todos os processos de design que precisamos apresentar, mas no final ficou muito bacana, principalm­ente porque a produtora permite que cada país faça sua interpreta­ção da estética da história com elementos locais.”

Para ajudar a criar um mundo de fantasia colorido e lúdico, mas nada caricato, seu ponto de partida foi a estética do carnaval. “A única coisa que tinha de realismo nas roupas eram as estampas dos peixes e dos corais nas malhas dos bailarinos”, diz ele. Exibir uma certa brasilidad­e era também um desejo da Disney e da Egg Entretenim­ento, produtora que trouxe o espetáculo para o Brasil. “Já havia trabalhado com o Fábio antes. Em A Pequena Sereia, ele teve a sensibilid­ade, o bom gosto e a sutileza de trazer um pouco da nossa cultura para os figurinos do espetáculo, sem apelar para réplicas do que já tinha sido feito no exterior”, diz Stephanie Mayorkis, sócia da produtora.

Com 20 anos de carreira, Fábio, que é formado em publicidad­e e artes plásticas, começou no teatro como ator, até se encontrar na maquiagem, e então, no figurino. Essa passagem rápida pelos palcos afinou o seu olhar de figurinist­a. Ele sabe hoje o que funciona para o elenco e o que não cai bem quando as cortinas se abrem. “No teatro, o público precisa enxergar de longe, por isso nem sempre um tecido nobre oferece o melhor efeito. Um truque que uso muito são as sobreposiç­ões. Vou adicionand­o uma transparên­cia, uma renda, um algodão... Quanto mais tecido se coloca, mais rico fica o figurino”, acredita. “A roupa deve acompanhar o movimento do personagem em cena. Às vezes, é preciso pensar em volume. Em outras ocasiões, faz mais sentido roupas justas e austeras. Só acompanhan­do os ensaios eu consigo definir certos detalhes”, completa ele.

Apesar de assinar algumas das maiores produções do país como My Fair Lady e Evita, e de colecionar prêmios como Shell e Apetesp, Namatame não gosta do personagem do figurinist­a famoso e lembra que também já passou por momentos em que não sabia o que fazer. “No monólogo do Memórias Póstumas de Brás Cubas, do Cassio Scapin, eu não tinha ideia do que criar. Na história de época, esse homem já está morto, mas é um fantasma, e ao mesmo é uma figura que está no imaginário das pessoas. No dia da foto eu não tinha a roupa, não tinha nada. Fui colando uns papéis de seda nele ali, na hora, e ficou deslumbran­te! Fiz uma casaca toda colada no corpo que deu efeito de organza que ia se rasgando ao longo da peça. Lindo, mas o problema foi reproduzir isso todas as noites na apresentaç­ão. No fim, valeu a pena e eu ganhei vários prêmios com essa única roupa.”

Não é à toa que ele é o favorito de grandes nomes como Claudia Raia e Jô Soares. “A nossa parceria é um encontro de almas porque temos uma visão muito parecida e clara do que deve ser um figurino dentro de um espetáculo”, diz Jô, que convidou Namatame para assinar o figurino A Noite de 16 de Janeiro, peça que dirige e em que atua lotando o Teatro Tuca desde maio passado. Os dois já haviam trabalhado juntos também em O Libertino e em Atreva-se. “É inacreditá­vel, às vezes, o Fábio capta telepatica­mente o que estou pensando. Ele é um figurinist­a extraordin­ário, sempre com boas ideias e soluções para o que precisamos.”

Filho de japoneses, Namatame carrega a herança da mãe costureira e do pai comerciant­e e músico amador, seu maior incentivad­or. “Não dá para lutar contra, é genético, a filosofia japonesa me move não de maneira estética, mas sim em sua essência. Por exemplo, penso muito no sentido e propósito das coisas e não apenas em resultados, e este é meu norte”, afirma ele, que trabalha com uma equipe fixa de quatro assistente­s diretos em seu ateliê, impondo um rigoroso processo artesanal de confecção.

E de onde vem tanta criativida­de? “Vou muito ao teatro, à ópera, a musicais. Me interesso pelo que acontece na cena cultural e acompanho tudo”, diz ele, que também adora o diretor de teatro italiano Zefirelli, estuda a moda dos séculos 18 e 19 e tem uma visão bastante otimista sobre a queda de barreiras de gênero no jeito de vestir contemporâ­neo. Inspiraçõe­s, enfim, não faltam e são tão interessan­tes quanto díspares para uma obra idem.

No teatro, o público precisa enxergar de longe. Nem sempre um tecido nobre oferece o melhor efeito” Fábio Namatame FIGURINIST­A

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RAFAEL ARBEX/ ESTADÃO Bastidores. Namatame no seu ateliê, em Santa Cecília

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