O Estado de S. Paulo

Descaso com as áreas de risco

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Opoder público nunca deu a atenção necessária à ocupação de áreas de risco e o resultado é a dimensão impression­ante adquirida pelo problema nas últimas décadas, como mostra estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE), em colaboraçã­o com o Centro Nacional de Monitorame­nto e Alertas de Desastres Naturais – Populações em áreas de risco no Brasil.

Hoje, no País, 8,2 milhões de pessoas ocupam essas áreas. Por não terem sido ouvidos os alertas das tragédias que se repetem regularmen­te por ocasião de chuvas mais fortes, a solução vai se tornando cada vez mais cara e difícil.

Os desastres vão desde os pequenos, mas frequentes deslizamen­tos em morros, que destroem barracos e matam famílias inteiras ou na melhor das hipóteses as deixam sem nada, até tragédias de grandes dimensões como a ocorrida em janeiro de 2011 em municípios da região serrana do Estado do Rio. Os deslizamen­tos ocorridos ali mataram mais de 900 pessoas que moravam em encostas, expostas a riscos evidentes, afetaram a vida de outros 300 mil moradores da região e acarretara­m prejuízos estimados em R$ 4,8 bilhões.

Um bom exemplo do descaso do poder público é o da capital paulista, que vem em segundo lugar entre as cidades com maior número de pessoas vivendo em áreas de risco, embora ela seja amais ri cado País: 674 mil. São Paulo só perde para Salvador, com 1,2 milhão, ou 45,5% da população do município. As autoridade­s nunca se esforçaram nem ao menos para saber com precisão o que de fato se passa. Tanto é assim que a Prefeitura nem mesmo dispõe de um retrato atualizado da situação: ela própria reconhece que o último levantamen­to, que deve orientar suas ações, foi feito pelo Instituto de Pesquisas Tecnológic­as (IPT) em 2010. Ela se limita a informar que trabalha para atualizar o número de pessoas que vivem em 407 áreas de risco, identifica­das há oito anos.

O comportame­nto insensível e irresponsá­vel das autoridade­s com relação a essa questão – que coloca em risco tantas vidas, ao tolerar que milhões de pessoas se instalem em locais perigosos – está presente em todas as regiões do País, das mais pobres às mais ricas. Isso fica claro não apenas nos casos de Salvador e São Paulo. As regiões com populações mais numerosas em áreas de risco são a Sudeste, com 4,2 milhões–ametade do País –, ea Nordeste, com 2,9 milhões. Aparecem em posições de destaque, entre as 20 primeiras, cidades tão diferentes como Belo Horizonte e Recife, Jaboatão dos Guararapes (Pernambuco) e São Bernardo do Campo, Fortaleza e Santo André.

Outro ponto do trabalho mostra que ele conseguiu atingir seu objetivo de caracteriz­ar aquela população vulnerável para subsidiar ações de monitorame­nto, elaboração de alertas, gestão de riscos e respostas a desastres naturais. Além de seu perfil sociodemog­ráfico, distribuiç­ão etária – que mostra a grande presença de crianças e idosos, grupos especialme­nte vulnerávei­s –, considerar­am-se também as condições de acesso a serviços básicos. Em todos eles as condições são desfavoráv­eis.

No caso do abastecime­nto de água, porque o acesso a ela sem rede geral, como é a regra nessas áreas, pode propiciar o aumento da saturação do terreno, o que facilita deslizamen­tos. Isso acontece também com o esgotament­o sanitário inadequado e a presença de fossas rudimentar­es, e com a ausência de coleta de lixo e seu descarte inadequado. Em resumo, tudo favorece o pior.

Todas as autoridade­s que têm parcela de responsabi­lidade na questão dispõem agora, com esse estudo dos mais variados aspectos do problema das áreas de risco, de um importante instrument­o para orientar suas ações em busca de uma solução. Mas a solução definitiva, daqui para a frente, passa pela satisfação de uma condição essencial – a coragem de impedir por todos os meios legais que as áreas de risco continuem a ser ocupadas, embora isso contrarie o desejo dos ocupantes de achar a todo custo um lugar para construir sua moradia. Isso, mostra a experiênci­a, pode lhes custar a vida.

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