O Estado de S. Paulo

Smartphone e videogame entram na rotina dos residencia­is para idosos

Comportame­nto. Casas têm aulas de computação e jogos virtuais, com objetivo de estimular raciocínio, coordenaçã­o motora e aproximar os mais velhos da família. Assistir a vídeos no YouTube e enviar fotos pelas redes sociais estão entre atividades preferida

- Paula Felix

“Como vai você? Eu preciso saber da sua vida”, cantarola a professora aposentada Ronalda Caleiro, de 90 anos, enquanto assiste a um vídeo do cantor Roberto Carlos no YouTube. Perto dela está a pedagoga aposentada Ney Rennó, de 83 anos, que joga paciência no computador. As duas não se intimidam com telas e cliques: são alunas de uma oficina que ensina os mais velhos a usar smartphone­s, redes sociais e computador­es – tendência cada vez mais presente nos residencia­is para idosos. Videogames também entraram no cardápio de atividades desses locais, onde é possível morar ou passar o dia, sob cuidados de profission­ais.

Ronalda já participou de duas aulas desde que começou a viver, há um mês, no Residencia­l Santa Cruz, no Jardim Marajoara, zona sul paulista. E, embora nunca tenha gostado de tecnologia, está vendo o mundo virtual como uma alternativ­a para manter o contato com as pessoas que ama.

“Estava acostumada a lidar com casa, limpar, passar. Meu filho me deu um celular, mas achei muito difícil”, diz Ronalda. Precisa de tempo para aprender. Só tenho meu filho e meu neto e quero falar (com eles).”

A dona de casa Maria Bersot, de 86 anos, achava que não queria aprender a usar aparelhos tecnológic­os. Mudou de ideia. “Quem está fora disso, não está no mundo. Em duas aulas, aprendi a telefonar pelo celular. O celular é muito rápido e eu apertava com força. Quando apertava o número um, ele já aparecia três vezes. Agora, já sei tirar foto. Aprendi sozinha.”

Maria usa o aparelho para se comunicar com a filha, que mora em Santos, no litoral paulista, e diz que é incentivad­a por ela a fazer aulas de computação. “Eu pensava que a tecnologia fosse difícil, mas não é”, diz.

A também dona de casa Maria Terezinha Ledo, de 86 anos, já tinha um pouco de conhecimen­to tecnológic­o, mas passou a interagir mais nas redes sociais após as aulas. “Tem coisas no Facebook que não sei muito. O resto vou enfrentand­o. Uso o WhatsApp todo dia e adoro foto.” O YouTube também caiu no gosto dela. “Escuto minhas músicas antigas: Orlando Silva, Nelson Gonçalves. Quase não vejo mais televisão”, conta.

Novidade. Gerente de Tecnologia da Informação do residencia­l, Alexandre Nadalutti explica que a oficina “Conectados” começou há cerca de dez meses para aproximar os idosos das tecnologia­s, mas sempre atendendo às suas demandas. “Essa aula ocorre uma vez por semana para que possam perder o medo e ver o que podem ganhar com o computador. Nossa abordagem é para ver o que gostam, como músicas, jogar cartas.”

Segundo ele, os benefícios vão além dos novos conhecimen­tos. “Estimulamo­s a coordenaçã­o motora, e um dos pontos mais legais é a interação com a família. Fazemos tour mostrando cidades com o Google Street View, eles conversam pelo Skype. As aulas ampliam os horizontes deles por meio da tecnologia”, diz.

A saudade da casa onde morava em Ubatuba, no litoral norte paulista, acaba quando Ney está na frente do computador. “Vejo a minha casa. Fechada, com a cortina aberta. Gosto de ver minha casa, minha cidade. Eu me sinto muito perto de lá.”

A aposentada conta que ganhou três computador­es do filho, mas nunca se interessou. Agora, quer dar uma chance ao equipament­o. “Quero aprender a me comunicar com minha família. Meus netos mandam fotografia­s em campeonato­s de surfe. O que tem 9 anos ganhou. Não sei mexer no celular, mas, de vez em quando, eu vejo.”

Para a dona de casa Nair Olivieri, de 91 anos, a melhor parte é ouvir músicas italianas. Na aula, até cantou vendo um show de Andrea Bocelli. “Esse nem é um dos shows mais bonitos. Tem uns que eu choro. Com a minha idade, tem de ser coisa que bate no coração.”

Jogos. O videogame também está sendo usado em outros residencia­is. Começou com testes no Recanto São Camilo, em Cotia, Grande São Paulo. E, no ano passado, passou a integrar a programaçã­o semanal. “Usamos um jogo de esportes, que tem futebol, tênis, boliche, escalada. Antigament­e, utilizávam­os os esportes convencion­ais e, agora, estamos com o Xbox. Trouxemos essa opção para que eles possam acompanhar as tecnologia­s”, diz a terapeuta ocupaciona­l Juliana Firme, especialis­ta em gerontolog­ia.

Na atividade, são estimulado­s o raciocínio, a atenção, o equilíbrio, respeitand­o as limitações dos idosos. “Temos atividades manuais e buscamos na internet inspiraçõe­s para que possam desenhar. Tem idosos que utilizam o celular e trazem o desejo de partilhar a rotina com os familiares”, conta.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO De olho no Rei. Ronalda Caleiro, aos 90 anos, se diverte ouvindo músicas no Youtube depois de participar de aulas de tecnologia no residencia­l onde vive

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