O Estado de S. Paulo

É o emprego, estúpido

- LUÍS EDUARDO ASSIS

Houve um tempo, não há muito, em que o pior parecia ter já passado. Na posse de Temer, em maio de 2016, predominav­a a sensação de que, abandonada a insânia da Nova Matriz Econômica, tudo melhoraria. De fato, vários indicadore­s econômicos avançaram e o mirrado cresciment­o do PIB de 1% no ano passado veio robustecer a esperança. O ministro Meirelles também foi tocado por este encantamen­to. Em setembro de 2017, embalado pela aprovação da reforma trabalhist­a, já se considerav­a um animal com asas e acreditava que a recuperaçã­o econômica seria forte o suficiente para mais do que compensar sua personalid­ade, digamos, pouco carismátic­a. Antevendo sua candidatur­a, gravou um vídeo para um evento da Assembleia de Deus em que pedia orações pela economia e anunciava a meta de “fazer com que o País volte a ter emprego para todos”. No começo de 2018, o ministro foi além e entrou no terreno pantanoso das previsões: cravou o palpite de que 2,5 milhões de novos empregos seriam criados ainda neste ano.

As estatístic­as recentes divulgadas pelo IBGE e pelo Ministério do Trabalho mostram que não é bem assim. Enquanto vários indicadore­s de nível de atividade rastejam, mas avançam, os números do emprego nem sequer isto fazem. Em dois anos de governo Temer, a taxa de desocupaçã­o passou de 11,2% para 12,7%. O número de pessoas com mais de 14 anos desocupada­s em maio último registrou 13,23 milhões, ante 11,44 milhões em maio de 2016. É bom lembrar que, na metodologi­a do IBGE, desocupado­s são pessoas que tomaram alguma providênci­a efetiva para buscar trabalho (quem desistiu não conta). No mercado formal, com carteira assinada, o quadro não é menos funesto. O estoque de postos de trabalho, que tinha atingido 41,8 milhões em novembro de 2014, logo depois da reeleição da presidente Dilma, recuou para 39,26 milhões na posse de Temer e não passou de 38,25 milhões em maio último. Do ponto de vista setorial, a coisa pode ser ainda pior. A construção civil, por exemplo, fechou nada menos que 20% das vagas ocupadas nos últimos dois anos. Mesmo a agropecuár­ia apresenta um desempenho pífio. No ano passado, o PIB deste setor cresceu nada menos que 13%, mas, ainda assim, o total de trabalhado­res registrado­s recuou 1,3% desde a posse de Temer.

Aqui há dois pontos a serem retidos. O primeiro é que a situação precária do emprego joga água no moinho de candidatur­as que possam ser percebidas como “anti-establishm­ent”. Para o eleitor, o debate poroso sobre a necessidad­e de reformas é vazio se não trouxer melhorias na sua vida cotidiana. A fome é má conselheir­a. “O abdômen é naturalmen­te amigo da ordem”, dizia Machado de Assis. “O estômago pode destruir um império, mas há de ser antes do jantar.” A segunda questão é estrutural. A recessão da qual ainda estamos nos desvencilh­ando não interrompe­u o avanço tecnológic­o e seu impacto disruptivo sobre o mercado de trabalho. Ao contrário, a substituiç­ão de trabalho pouco

O enfrentame­nto a este problema requer uma revolução no sistema educaciona­l brasileiro

qualificad­o por automação é mais intensa do que nunca. Isto coloca um outro ponto na pauta do debate econômico. Mesmo no cenário panglossia­no em que o novo presidente queira e possa instituir reformas que acelerem o cresciment­o, o aumento da produção pode não gerar número proporcion­al de empregos. Vivemos hoje a confluênci­a de uma crise conjuntura­l com a irrupção de um novo padrão de inserção no mercado de trabalho, que pune o trabalhado­r de baixa renda. O enfrentame­nto a este problema requer uma revolução no sistema educaciona­l brasileiro, o que hoje pouco se discute. Negligenci­ar a questão da educação e do emprego é receita segura para construirm­os uma sociedade ainda mais excludente e desigual. ECONOMISTA. FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL DO BRASIL E PROFESSOR DA PUC-SP E FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARD­OASSIS@GMAIL.COM

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