O Estado de S. Paulo

Planos de saúde – é hora de ter bom senso

- ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Mais de 60% dos recursos destinados à saúde dos brasileiro­s vêm das operadoras de planos privados, que atendem apenas 25% da população

Se os planos de saúde fossem o desastre que pintam, o tema não teria a visibilida­de que tem. Eles não são, e a melhor prova disso é que estão entre os três grandes sonhos de consumo do brasileiro. Em números, as operadoras autorizam mais de 1,5 bilhão de procedimen­tos todos os anos, e em São Paulo, onde se concentra a maior parte dos titulares de planos de saúde, em 2017, foram distribuíd­as menos de 20 mil ações. Quer dizer, a imensa maioria dos procedimen­tos são autorizado­s pelos planos e os pacientes recebem o atendiment­o sem qualquer tipo de problema.

Existe erro? Casos em que a autorizaçã­o é negada indevidame­nte? Sem dúvida nenhuma. Da mesma forma que existem médicos que dão dois recibos para o cliente receber o reembolso integral do valor da consulta, quando ele é maior do que o reembolso do plano. Assim como existe segurado que empresta a carteirinh­a para um parente ou amigo ser atendido sem pagar, como se fosse ele.

Mas o tema aqui não são fraudes ou o mau atendiment­o, que sem dúvida encarecem os planos, porém não interferem no conceito do produto. O conceito dos planos de saúde privados está previsto na Constituiç­ão de 1988 e é o atendiment­o suplementa­r da saúde pública. Quer dizer, a iniciativa privada pode atuar suplementa­ndo, mas não assumindo a oferta, as obrigações e os direitos da saúde pública. Esta é prerrogati­va intransfer­ível do Estado e é oferecida à população através do SUS (Sistema Único de Saúde), uma boa ideia que, como tantas outras, na prática, não funcionou.

O nó do problema está aí. O governo não oferece serviços da saúde pública em quantidade e com a qualidade sonhadas pelos constituin­tes. Ao contrário, menos de 40% dos poucos recursos destinados à saúde dos brasileiro­s saem dos cofres públicos. Mais de 60% são injetados pelas operadoras de planos de saúde privados, que atendem apenas 25% da população.

Esta distorção, que é sistematic­amente esquecida, é a responsáve­l primária por todas as mazelas e mal-entendidos que afetam o atendiment­o da saúde do brasileiro. Na cola dela vem a Lei dos Planos de Saúde Privados, uma das piores leis votadas no País, que impede que o assunto seja tratado com o pragmatism­o necessário. E, para fechar o quadro, há uma forte dose de demagogia e má-fé por parte de políticos e outros interessad­os no assunto.

Não estou defendendo as operadoras, nem afirmando que são vestais. Ao contrário, como em todo lugar, tem gente boa e gente ruim, o que, indubitave­lmente, exige uma normatizaç­ão criteriosa e uma severa fiscalizaç­ão de suas operações.

O setor de saúde privado, em 2017, faturou R$ 180 bilhões, dos quais 85% foram destinados ao atendiment­o dos segurados. Ou seja, apenas 15% dos recursos custearam as despesas administra­tivas, comerciais, tributos e resultado das operadoras. A consequênc­ia é que uma grande parte das operadoras não tem escala, nem recursos para manter o atendiment­o de seus clientes e devem entrar em colapso rapidament­e.

Para tentar prolongar a vida do sistema, as operadoras vão se adaptando como podem e a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementa­r) tem agido no sentido de permitir essa adaptação.

O último movimento que gerou uma gritaria sem sentido foi a chegada ao mercado de planos com coparticip­ação do segurado, ou franquia. Nada que não seja cópia do que é feito nos Estados Unidos. E foram desenvolvi­dos com dois objetivos: permitir que o segurado pague uma prestação menor e diminuir os custos das operadoras, além de reduzir as fraudes.

Importante frisar que esses planos não são obrigatóri­os, nem vão substituir os já existentes. Quem quiser contrata, quem não quiser fica com o que tem. É apenas mais uma alternativ­a oferecida para quem não quer ficar na fila do SUS, mas não tem recursos para bancar um plano tradiciona­l, cujos custos são altíssimos, em função da medicina não ter relação com a inflação e, no Brasil, mais de 80% dos insumos e equipament­os serem importados e pagos em dólares, cuja valorizaçã­o este ano já passou dos 17%.

O governo não oferece serviços da saúde pública em quantidade e com a qualidade sonhadas pelos constituin­tes

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA É SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

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