O Estado de S. Paulo

Estação em Zurique ganha escultura de Ernesto Neto

Artista brasileiro é tema de mostra e realiza instalação na principal estação de trem da cidade suíça

- Pedro Rocha ESPECIAL PARA O ESTADO

Um pedaço do Brasil preenche o saguão da mais importante estação de trem da cidade de Zurique, na Suíça. Com cerca de 20 metros de altura, a escultura GaiaMother­Tree, ou Gaia Mãe Árvore, em tradução livre, foi criada pelo artista brasileiro Ernesto Neto, que ganha também uma mostra na cidade.

Ernesto foi convidado pela Fondation Beyeler, que, além de comissiona­r o trabalho temporário para a estação de trem, realiza ainda uma exposição com obras dos anos 1980 e 90, além do trabalho Altar for a Plant, de 2017, no jardim da instituiçã­o. Em complement­o, a fundação promoveu também, no início do mês, uma série de debates com intelectua­is e líderes espirituai­s de todo o mundo, como representa­ntes de povos indígenas brasileiro­s, para discutir a situação das florestas.

“A gente precisa repensar a Terra”, analisa Neto em entrevista ao Estado, por telefone, de Zurique. “Gaia representa­ndo o espírito da Terra, numa conexão com o infinito e o conhecimen­to.” A escultura do artista é feita para a reflexão sobre a natureza. Além de eventos sobre o tema, o próprio espaço, uma espécie de tenda, em que as pessoas podem entrar e sentar, propicia que os visitantes conversem e meditem. “Várias pessoas sentam, deitam, oram. Já vi gente chorando”, relata o artista. “A recepção tem sido muito boa.”

Ao longo de sua vida e sua carreira, Ernesto Neto construiu uma relação com a natureza brasileira a partir da comunidade indígena Huni Kuin, na fronteira entre o Estado do Acre e o Peru. Não por acaso, sua grande escultura em Zurique é feita majoritari­amente de crochê, a partir do algodão, formando imagens como cobras e minhocas de pano. A sustentaçã­o da instalação se dá com pesos de sementes, que equilibram a obra na estrutura da estação.

Já a grande inspiração para a parte central da escultura é a cabeça de uma jiboia. Neto relata que até pensou em intitular a obra a partir da cobra, mas julgou a ideia de Gaia mais universal. “É mais legível que a jiboia”, acredita o artista. “Eu traduziria o título da obra como ‘jiboia é a mãe árvore’. Foi ela que entregou a maçã para Eva, e há um equívoco nessa interpreta­ção. Foi a serpente que deu à luz a humanidade.”

Para o brasileiro, o mundo está vivendo uma crise ecológica e social, que já havia sido prevista pelos povos indígenas da floresta amazônica. “A floresta está sendo ignorantem­ente atacada pela brutalidad­e da sociedade, que não percebe a grande riqueza que está ali”, analisa. Por isso, Ernesto Neto acredita que a difusão da mensagem dos povos indígenas, como a que tem feito com sua arte, é importante. “Não estudamos nossas raízes. Não estudamos os índios ou os povos africanos.”

Em época de Copa do Mundo, o artista faz uma analogia com o futebol para falar do grav problema brasileiro. “O Brasil está precisando de cura. Aquele sete a um foi uma mensagem espiritual”, diz. “Os índios conhecem a cura que vem da floresta, são mensageiro­s. Deveríamos ouvir mais os pajés.”

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ARND WIEGMANN/REUTERS Criador. Ernesto Neto em frente à sua escultura na Suíça

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