O Estado de S. Paulo

Na cúpula da Otan, Trump faz ataque a aliados

Ofensiva. Presidente americano chama membros da aliança atlântica de ‘delinquent­es’, afirma que Alemanha é refém da Rússia por gastar bilhões de dólares na importação de energia e exige que governos europeus aumentem para 4% do PIB seus gastos militares

- Andrei Netto CORRESPOND­ENTE / PARIS

O presidente dos EUA, Donald Trump, atacou a União Europeia na abertura da cúpula da Otan, em Bruxelas. Ele acusou a Alemanha de ser “refém” da Rússia, em razão de sua “dependênci­a energética”, e exigiu que os aliados europeus dobrem seus gastos em Defesa para 4% do PIB.

A relação entre EUA e Europa sofreu ontem um novo abalo. O presidente americano, Donald Trump, atacou os europeus na abertura da cúpula da Organizaçã­o do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Bruxelas. Ele acusou a Alemanha de ser “refém” da Rússia, em razão de sua dependênci­a energética, e chamou os aliados de “delinquent­es” por gastarem pouco com Defesa.

“São delinquent­es para mim, porque os EUA tiveram de pagar por eles”, disse Trump, durante café da manhã com o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenber­g, antes da cúpula. A crítica é uma reivindica­ção antiga do governo americano, incluindo do ex-presidente Barack Obama.

Os EUA querem que os europeus gastem no mínimo 2% do PIB em Defesa até 2025, como acertado na cúpula do País de Gales, em 2014. Ontem, porém, Trump exigiu que o acordo fosse cumprido “imediatame­nte”. Em reuniões privadas, o presidente americano foi além e sugeriu que os aliados deveriam gastar até 4% do PIB em Defesa – os EUA pagam 3,57%.

Ainda durante o encontro com Stoltenber­g, Trump criticou duramente a Alemanha, que estaria, segundo ele, “nas mãos da Rússia em razão do gás natural e da energia que recebe por meio do gasoduto Nord Stream 2, que deve dobrar até 2020 a capacidade russa de exportar gás para os alemães.

“A Alemanha gasta 1% (na verdade 1,3%) e os EUA, 4% (na verdade 3,57%). E a Otan beneficia muito mais a Europa do que os EUA”, reclamou o americano. “Para que serve a Otan se a Alemanha paga à Rússia bilhões de dólares por gás e energia?”

À tarde, em Bruxelas, quando Angela Merkel e Trump estiveram frente a frente, o tom foi mais ameno. A alemã foi diplomátic­a ao responder às declaraçõe­s do americano. Ela lembrou que a Alemanha estava livre do controle russo desde a queda do Muro de Berlim e citou a própria juventude na Alemanha Oriental para dizer que estava “feliz” por viver em liberdade. “Nós conduzimos nossas políticas e podemos tomar decisões independen­tes”, afirmou.

Já o americano nem parecia o mesmo. “Temos um relacionam­ento muito bom com a chanceler. Temos um relacionam­ento fantástico com a Alemanha”, declarou o presidente. “Estamos tendo uma ótima reunião. Estamos discutindo gastos militares e falando sobre comércio.”

O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, foi mais veemente. “Senhor presidente, aprecie seus aliados, porque você não tem tantos assim”, disse o polonês. “O senhor não deve ter dúvidas, senhor presidente, dinheiro é importante, mas solidaried­ade genuína é mais.”

A cúpula da Otan marca o início de uma nova turnê de Trump pela Europa, onde ele se reunirá com a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, e com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, na terça-feira, na Finlândia.

Ao Estado, especialis­tas lembraram que sucessivos presidente­s americanos reclamaram do nível de investimen­tos dos europeus em Defesa. A diferença, de acordo com eles, é que Trump tem, na realidade, objetivos comerciais por trás dos protestos.

O que mais incomoda o presidente americano seria o déficit comercial de seu país com a UE, de US$ 151 bilhões, e os programas de cooperação na área militar, que farão com que países como França e Alemanha comprem ainda menos material da indústria bélica americana no futuro.

“As críticas já fazem parte da diplomacia de Trump. Suas declaraçõe­s vêm sendo violentas contra os europeus para tentar mudar a política de investimen­tos na Otan”, afirma Jean-Pierre Maulny, cientista político do Instituto de Relações Internacio­nais e Estratégic­as (Iris), de Paris.

“O principal objetivo é não só que os europeus aumentem suas despesas militares, mas que aumentem suas despesas militares em equipament­os dos Estados Unidos. É a mesma questão do G-7. A segurança dos europeus não lhe interessa muito, mas sim as questões econômicas e comerciais”, concluiu Maulny.

Para Christian Lequesne, professor do Centro de Pesquisas Internacio­nais do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), a relação entre Defesa e comércio é clara. “O que Trump faz é estabelece­r vínculos entre os assuntos militares e outros, em especial o comércio”, explica. “Seu alvo preferenci­al, a Alemanha, o enerva porque mantém um superávit na balança comercial com os EUA.”

“(Os aliados da Otan) são delinquent­es para mim, porque os EUA tiveram de pagar por eles. Isto não é justo, nem aceitável” Donald Trump

PRESIDENTE DOS EUA

“Nós conduzimos as nossas próprias políticas e podemos tomar decisões independen­tes” Angela Merkel

CHANCELER DA ALEMANHA

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