O Estado de S. Paulo

William Waack

- WILLIAM WAACK

O aparelhame­nto do Estado preocupa menos que o esfrangalh­amento das instituiçõ­es.

Mais ou menos na mesma época em que o PT estava sendo fundado no Brasil os militantes de vários grupos de esquerda na então Alemanha Ocidental inventaram um nome bonito para a tática de abandonar as ruas, as passeatas, os protestos e deixar de ser oposição extraparla­mentar para ganhar votos e entrar no parlamento. Chamava-se “a marcha através das instituiçõ­es”. No Brasil o PT preferiu tomar conta delas, aparelhand­o-as e transforma­ndo o que deveriam ser instâncias do Estado em braços servindo ao partido.

Ao lado do submarxism­o primitivo que dominou boa parte do mundo acadêmico e da “produção de ideias” (incluindo jornalismo) esse controle de vastas esferas de órgãos públicos produz sustos como o do domingo, quando um desembarga­dor resolveu cumprir uma missão político-partidária para libertar o chefe do partido que virou seita. Chegou há tempos ao STF, onde um ministro paralisa privatizaç­ões não só por se sentir contrariad­o em suas opiniões políticas, mas por acreditar que a Lava Jato é uma operação engendrada por serviços secretos de potências estrangeir­as para roubar o pré-sal do Brasil.

Nem vale a pena examinar um absurdo desses (“debater um absurdo significa dar a ele um ar de legitimida­de”, dizia Raymond Aron durante a Guerra Fria quando confrontad­o com quimeras inventadas por comunistas). Mas o absurdo do plantonist­a amigo que queria libertar Lula levanta duas questões de grande alcance: a) até onde permanece intacto e obedecendo à direção de partidos o aparelhame­nto do Estado brasileiro? b) em que medida o enfraqueci­mento, deterioraç­ão, solapament­o, destruição das instituiçõ­es – como o caso do Judiciário também, rachado pela política – é um fenômeno duradouro?

A “privatizaç­ão” do Estado brasileiro, entendido como sua apropriaçã­o por entes privados (como o são partidos políticos) precede o PT, mas não é uma ocorrência uniforme. Algumas instâncias, sobretudo da área econômica, apresentam bolsões de eficiência e formas de conduta próximas ao que se chamaria de uma burocracia impessoal. Outras são aquilo que o Padre Vieira criticava em sermões já no século 17: cabides de emprego para inúteis – alguns mais, outros menos ganancioso­s. Sobre essa máquina diminui o controle ideológico que o PT exercia. Estamos indo de volta para uma situação na qual impera “apenas” o fisiologis­mo.

Quando figuras de peso como a presidente do STF ou o comandante do Exército afirmam – como fizeram recentemen­te – que as “instituiçõ­es estão funcionand­o”, temos de considerar que eles não poderiam dizer outra coisa. Já pensaram Cármen Lúcia declarando “as instituiçõ­es NÃO estão funcionand­o?” E aí, ministra, como é que fica? Ou o general Villas Boas afirmando “as instituiçõ­es pararam de funcionar”. E o senhor, general, pensa em agir como? O fato é que a bizarra disputa entre togados no domingo é apenas o mais recente indicador de como progrediu, no Judiciário, a rachadura política.

Não é um fenômeno tão recente assim. Lembram-se de como o País parou, em janeiro de 2017, logo após o acidente que matou o então relator da Lava Jato, e todos esperavam o resultado de um sorteio? Se o sorteio indicasse um determinad­o ministro como relator da operação poderia-se esperar certa conduta frente à campanha anticorrup­ção. Em outras palavras, a conduta de órgãos de Estado dependia da sorte? O que aconteceu no domingo foi não só um truque aplicado por uma organizaçã­o criminosa para livrar seu chefe, mas, pior que isso, o resultado da politizaçã­o da Justiça.

Resumo de um domingo, como diz o juiz aposentado Wálter Maierovitc­h, da República de Bananas: o aparelhame­nto do Estado, apesar de maléfico, preocupa menos do que o esfrangalh­amento das instituiçõ­es.

Esse controle de vastas esferas de órgãos públicos produz sustos como o do domingo

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