O Estado de S. Paulo

Ainda há juízes isentos em Brasília

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Felizmente, o que começou como patética aventura, a tentativa de tirar Lula da cadeia, termina com a afirmação da ordem jurídica e da autoridade da Justiça.

Dois dias depois de terem tentado burlar o princípio do juiz natural para tirar Lula da cadeia, afrontando a hierarquia no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) e contando para tanto com a ajuda de um desembarga­dor plantonist­a que foi filiado ao PT antes de ingressar na magistratu­ra, os deputados petistas Wadih Damous (RJ), Paulo Pimenta (RS) e Paulo Teixeira (SP) voltaram à carga. Agora, querem que a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Laurita Vaz, arquive todos os pedidos de habeas corpus impetrados em favor do ex-presidente.

Entre domingo e segunda-feira, o STJ recebeu mais de 140 pedidos de habeas corpus impetrados em favor de Lula por pessoas que não têm procuração para representá-lo. A maioria desses pedidos é padronizad­a e tem o subtítulo de “Ato Popular 9 de julho”.

Apesar de o artigo 5.º da Constituiç­ão assegurar a qualquer cidadão o direito de peticionar ao poder público – seja em seu nome, seja em nome de outrem – “em defesa de direito ou contra ilegalidad­e ou abuso de poder” e o Código de Processo Penal prever que um pedido de habeas corpus possa ser subscrito por qualquer pessoa, esses parlamenta­res alegam que a profusão de recursos prejudicar­á a defesa dos advogados constituíd­os por Lula.

Em outras palavras, os mesmos deputados que no domingo realizaram no TRF-4 uma manobra jurídica irresponsá­vel, que afronta regras processuai­s e constituci­onais, agora temem que, no julgamento desses pedidos de habeas corpus pelo STJ o bom senso jurídico prevaleça. Na prática, temem que a Corte esgote a análise de determinad­os temas, impedindo assim que venham a ser abordados mais tarde pelos advogados de Lula, conforme suas conveniênc­ias jurídicas e políticas.

Como se vê, os três deputados que afrontaram as instituiçõ­es judiciais estão novamente pondo os pés pelas mãos, tentando, por meio do recurso enviado à presidente do STJ, interferir nos pedidos de habeas corpus feitos por terceiros, ainda que sob a forma de ato político ou “popular”.

As iniciativa­s desastrosa­s dos deputados Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira e o comportame­nto patético do desembarga­dor Rogério Favreto, que tentou, como plantonist­a, sobrepor uma decisão monocrátic­a a decisões colegiadas tomadas pelo TRF-4 e pelo STJ, só confirmam o que a ministra Laurita Vaz afirmou quando negou 143 pedidos padronizad­os de habeas corpus, sob a justificat­iva de que seriam simples manifestaç­ões políticas, sem qualquer base jurídica.

Segundo a presidente do STJ, por não ter competênci­a legal para acolher o que lhe foi pedido, determinan­do a imediata libertação de Lula sem nem mesmo exigir que fosse submetido a exame de corpo de delito, o desembarga­dor Favreto causou “intoleráve­l inseguranç­a jurídica”, gerando um “tumulto processual sem precedente­s na história do direito brasileiro”.

A ministra também refutou de modo contundent­e as alegações do magistrado plantonist­a de que o processo eleitoral exige equidade entre os pré-candidatos e de que Lula teria “em sua integralid­ade todos os direitos políticos”, uma vez que não esgotou todos os recursos judiciais que tem direito a impetrar, no STJ e no STF, contra sua condenação.

Ela classifico­u como “teratológi­cos” esses argumentos. “É óbvio e ululante que o mero anúncio da intenção de réu preso ser candidato a cargo público não tem o condão de reabrir a discussão acerca da legalidade do encarceram­ento”, afirmou. Chamou ainda a atenção para o risco de desvirtuam­ento da figura jurídica do habeas corpus, por ativistas políticos, lembrando que “o Judiciário não pode ser utilizado como balcão de reivindica­ções ou manifestaç­ões de natureza política ou ideológico-partidária­s”. Por fim, deixou claro que desembarga­dores plantonist­as não podem “deliberar sobre questões já decididas”.

Felizmente, o que começou como uma patética aventura termina com a afirmação da ordem jurídica e da autoridade da Justiça. Ainda há juízes responsáve­is em Brasília.

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