O Estado de S. Paulo

De volta para casa

Ingleses vão da euforia à dura realidade de, mais uma vez, ficar pelo caminho numa Copa

- Célia Froufe CORRESPOND­ENTE / LONDRES

“Não me leve para casa.” Os vários pedidos feitos como o título da trilha sonora de um documentár­io de 2017 sobre futebol (“Don’t take me home”) e que virou tema da Copa de 2018 para a torcida inglesa não foram suficiente­s mais uma vez. A Inglaterra perdeu para a Croácia na prorrogaçã­o, ontem, deixando uma das cidades mais cosmopolit­as do mundo atônita.

Foram muitas as apostas – até literalmen­te, já que o jogo de azar é um hobby comum no Reino Unido – de que, desta vez, o “Três Leões” poderia voltar a disputar uma final.

Não à toa, o jogo de ontem foi chamado de “a maior partida em uma geração” e deixou milhares de jovens mais uma vez órfãos pelas ruas e metrôs da capital britânica após a disputa.

A reportagem do Estado circulou à pé e de transporte público por áreas turísticas durante e após a partida para conversar com eles. “Tinha a sensação de que desta vez ia”, falou, em Trafalgar Square, o empreended­or Mikey Collons, de 29 anos. Neto de irlandeses, ele sonhava em poder testemunha­r um avanço maior do país na Copa.

O estagiário em uma empresa de engenharia, Larry Ross, de 19 anos, mostrava mais raiva do que decepção com o placar, enquanto caminhava perto da Piccadilly Circus, outro centro turístico da cidade. Abordado pela reportagem, sua primeira reação quando questionad­o sobre se poderia conversar foi de insulto. Depois se desculpou, argumentan­do que pensava que a repórter poderia ser croata. “Demoramos 28 anos para chegar até aqui. Sabe quando isso vai acontecer de novo? Só em 28 anos de novo. Não tenho esperança de que um resultado semelhante ocorra em 2022.”

Faz tempo. O príncipe Harry, com seus 33 anos, tinha apenas cinco quando a Inglaterra chegara à sua última semifinal, há 28 anos, na Itália. A Inglaterra conseguiu vencer o torneio apenas uma vez, em casa, em 1966.

Mesmo assim, 10 mil britânicos foram à Rússia. A expectativ­a era de 20 milhões vendo o jogo pela TV, em casa ou nos tradiciona­is pubs do país.

No coração da cidade, a prefeitura de Londres disponibil­izou um telão no Hyde Park. Conhecidos pela organizaçã­o, foram sorteados antecipada­mente 30 mil ingressos gratuitos em duas etapas. “Não adianta ir para o local sem o ticket, apenas quem foi selecionad­o poderá entrar”, avisou a organizaçã­o.

O casal de estudantes Maysie (22 anos) e Jack (21 anos), ela com uma bandeira da Inglaterra amarrada nos ombros, escolheu o local para assistir à partida. Ao final do tempo regulament­ar, explicaram à reportagem que decidiram aproveitar o intervalo para ir a um pub, temendo que o clima esquentass­e por ali no caso de uma derrota.

O policiamen­to foi altamente reforçado na cidade – principalm­ente nos locais em que se esperavam maiores aglomeraçõ­es e também em pontos que já haviam sido alvo de atentados terrorista­s, como a London Bridge e o Borough Market.

A tão conhecida disciplina britânica, porém, já caiu por terra algumas vezes quando o assunto foi futebol. É preciso lembrar que o país criador das primeiras regras do jogo também ficou conhecido em todo o mundo pela agressivid­ade dos “hooligans”, grupo que vem sendo atacado pela Fifa e praticamen­te repelido do entorno dos estádios nas cidades-sede dos Mundiais.

A euforia tomou conta de Londres quando Trippier abriu o placar contra a Croácia, em cobrança de falta logo aos cinco minutos de partida. Veio a virada na prorrogaçã­o e o fim do sonho de chegar à final. Mesmo perdendo, muitos torcedores não pararam de cantar. Assim seguiram pelas ruas da cidade. Assim continuara­m nos trens e nas estações de metrô. Mesmo naquelas, como no caso de Liverpool Street, em que a entrada de usuários passou a ser limitada por causa do grande volume de passageiro­s após o jogo.

Eventos raros de serem presenciad­os na cidade, porém, a reportagem encontrou ontem à noite um homem na faixa de 40 anos urinando contra a parede dentro da estação Charring Cross. Outro, em Tottenham Station, jogava objetos na plataforma e nos trilhos. Ambos pareciam alcoolizad­os e foram abordados pelos funcionári­os que trabalham no local. Não foram vistos grandes incidentes durante nem depois do jogo.

Os jornais de ontem já pediam que o atacante Harry Kane (conhecido como Hurricane, um trocadilho sonoro entre o seu nome e a palavra “furacão”) tivesse garra: “Vá e vença por nós, Harry!”, trazia a manchete esportiva do Evening Standard, edição vespertina que é distribuíd­a gratuitame­nte no metrô da capital britânica.

Não deu mais uma vez.

A febre da Copa do Mundo pegou Londres e o resto da nação Sadiq Khan,

PREFEITO DE LONDRES

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TOLGA AKMEN/AFP Acabou. Torcedoras inglesas se consolam no Hyde Park, em Londres

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