O Estado de S. Paulo

‘PCC se tornou a maior facção da América do Sul’

Facção está filiando bolivianos e paraguaios, diz promotor responsáve­l por denunciar mais de 300 membros do grupo

- Lincoln Gakiya,

• Segundo o promotor Lincoln Gakiya, que denunciou 300 membros do PCC, facção ruma para se tornar uma organizaçã­o mafiosa, está recrutando paraguaios e bolivianos ejá mato umais de cem em guerra com rival.

Responsáve­l por denunciar criminalme­nte mais de 300 membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) nos últimos cinco anos, o promotor Lincoln Gakiya testemunho­u as transforma­ções que levaram o grupo a deixar de ser uma facção dos presídios paulistas para se tornar a “maior organizaçã­o criminosa da América do Sul”. “O que falta ao PCC para se tornar uma organizaçã­o mafiosa é a capacidade de lavar dinheiro, mas isso será obtido em breve, por causa do tráfico internacio­nal.”Gakiya afirma que o grupo está filiando paraguaios e bolivianos e diz que a disputa pelas rotas do tráfico obrigou o PCC a matar mais de cem integrante­s do Comando Vermelho (CV). E há ainda o ataque ao Estado. “O PCC adotou uma tática terrorista: mata aleatoriam­ente agentes prisionais ou policiais para espalhar o terror.”

• O PCC pode repetir em São Paulo os ataques de 2006?

Não. O PCC ficou conhecido pelos ataques, mas para a organizaçã­o foi ruim, pois ela perdeu integrante­s, armas e dinheiro com o tráfico. Pela primeira vez houve união entre as Polícias Civil e Militar. E enfrentame­nto, com mais bandidos mortos do que policiais. Em minhas investigaç­ões, eles (os bandidos) dizem que jamais farão um 2006 de novo. Eles repensaram o enfrentame­nto ao Estado e isso tem sido feito de forma pontual e covarde: os assassinat­os de agentes penitenciá­rios e policiais. Eles são atos de natureza terrorista pois, além de atingir a finalidade de vingança, servem para causar um terror indiscrimi­nado. Em 2012, tivemos mais de cem policiais mortos no Estado. Houve uma guerra. Eles soltaram um salve (ordem), dizendo que, para cada bandido morto, matariam dois policiais.

• Os 106 policiais assassinad­os em 2012 no Estado foram mortos pelo PCC?

A maioria sim. O próprio PCC determinou na época que se fizesse a simulação de latrocínio­s (roubos seguidos de morte). Alguns casos foram assaltos mesmo, mas a maioria foi simulação, como agora no Rio Grande do Norte, que só neste ano teve 14 PMs mortos. A estratégia é a do terror. A liderança da facção ficou presa com Norambuena (Maurício Hernandez, exchefe militar da Frente Patriótica Manoel Rodriguez). Esse terrorista chileno disse a eles (PCC) na época (dos ataques em 2006 ): ‘Vocês estão errando com esses ataques indiscrimi­nados, perdem apoio popular e não atingem o fim almejado, pois a polícia acaba se unindo’. Já o efeito desses ataques isolados é grande. Veja o caso dos agentes penitenciá­rios federais: são três mortos. Quando o Estado não cede, eles praticam o atentado. Para tanto criaram a Sintonia Restrita. A estratégia é essa.

• Na denúncia da Operação Echelon o senhor cita vários homicídios. O senhor contou quantos foram detectados nas conversas e nas cartas intercepta­das? Aqueles que estão identifica­dos (na Echelon) são 12. Mas há relatos de muitos mais nas conversas telefônica­s e nos arquivos dos celulares apreendido­s. Isso está sendo investigad­o para ser compartilh­ado com os outros Estados. São todos decididos pelos tribunais do crime.

• Os tribunais do crime estão criando um novo tipo de desapareci­do no País? O desapareci­do do crime organizado?

Há casos em que o corpo não aparece. Na sequência das mortes do Gegê e do Paca (Rogério Jeremias de Simone e Fabiano Alves de Souza, líderes do PCC morto em fevereiro, no Ceará), teve um criminoso importante, o Nado (José Adinaldo Moura ), que dizem ter sido enterrado de cabeça para baixo, cujo corpo até agora não apareceu. Ele foi morto na mesma época do Cabelo Duro (Wagner Ferreira da Silva). Sumiu.

• O PCC está adotando práticas dos cartéis mexicanos e da Máfia, desfazendo-se dos corpos? Exatamente. Executam as pessoas e gravam vídeos. Alguns vídeos chegaram para a gente durante as investigaç­ões.

• Quantos?

Creio que deve ter cerca de uma dezena (de vídeos). Em celulares de presos encontramo­s diversas imagens de pessoas decapitada­s ou sem membros. Esse material foi para a perícia para fazer a confrontaç­ão e tentar localizar essas vítimas. São as mortes dos inimigos e dos traidores (do PCC) nos tribunais do crime. Em uma das intercepta­ções, um bandido diz no Ceará que havia matado cinco. E o comparsa responde que era “pouco”. As investigaç­ões em andamento mostram que, na guerra entre as facções, há muito mais mortes. Só de integrante­s do Comando Vermelho foram mortos mais de cem.

• O PCC patrocinou a união entre facções cariocas contra o CV?

O traficante Nem (Antonio Bonfim Lopes), da Rocinha, passou

para o Terceiro Comando Puro. A facção Amigo dos Amigos (ADA) já havia feito uma aliança com o PCC por causa da rivalidade com o Comando Vermelho. Intercepta­mos mensagens que mostram que Nem fez contato com líderes do PCC em um presídio federal e pediu apoio. O PCC forneceu droga e armamento para ele retomar a Rocinha. E, se precisasse de gente, o PCC também forneceria. E no Ceará, em 2017, a facção Guardiões do Estado (GDE), que era neutra, fez aliança com o PCC contra o CV e a FDN (facção Família do Norte).

• O PCC quer reforçar a presença dele em Estados com portos importante­s para o tráfico?

Eu não tenho dúvida. Onde existem portos e na Região Norte, em razão da fronteira com países produtores de cocaína, como Peru e Colômbia, pois já tem o domínio das fronteiras da Bolívia e do Paraguai.

• A prioridade da facção é dominar as rotas do tráfico?

Essa é uma forte tendência. O que mudou no PCC desde 2005? Tudo. Ele praticamen­te não tem mais nada a ver com o que era. O organogram­a dele hoje é totalmente diferente. O PCC não atuava no varejo, só no atacado. Essa modificaçã­o importante foi imposta pelo Cego (Daniel Vinícius Canônico) e pelo Gegê (Rogério Jeremias de Simone). O PCC não tinha biqueiras. Comprava a droga de atravessad­ores no Paraguai e na Bolívia e revendia. Primeiro, o PCC tomou os pontos na Baixada Santista. A facção decapitou o Naldinho (Ronaldo Barsotti) e o jogou no mar. Seu corpo não apareceu até hoje. Na capital, traficante­s que deviam para o PCC pagaram passando o ponto. Aí a cúpula viu que algumas biqueiras davam muito lucro, até R$ 1 milhão por semana. Dos inimigos e dos traidores, tomaram os pontos. E de outros, compraram, ganhando tanto no atacado quanto no varejo. Depois, a facção se estruturou no Paraguai. Com a saída de Gegê da prisão (2017), os atravessad­ores foram eliminados porque estariam ‘roubando a facção’. Gegê se aproximou dos produtores pequenos e grandes, obtendo a droga a custo baixo. E aí ele criou o Tomate, o tráfico para a Europa. Foi o Gegê que criou o termo.

• Como isso aconteceu?

Gegê viu que integrante­s do PCC mandavam droga para a Europa por conta própria como se fosse em nome da facção. Ele acabou com isso. O Gegê chamou esses traficante­s e disse: “A partir de agora esse canal é da ‘família’. Se quiser trabalhar, vai trabalhar para a gente’. A partir daí, começou o tráfico internacio­nal forte.

• E qual o papel de Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, que teria mandado matar Gegê e controlari­a o envio de cocaína da Bolívia para o PCC?

A primeira informação que eu tive sobre o Fuminho foi em 2014, durante o plano de resgate de Marcola (Marco Willians Herbas Camacho). Ele é mais rico do que Marcola. E poderoso. No caso dos assassinat­os do Gegê e do Paca, os corpos não deveriam ter sido encontrado­s. As ordens eram para queimar e enterrar. Mas jogaram só um pouco de gasolina e foram embora. Deram azar porque nós identifica­mos a morte do Gegê aqui de São Paulo e informamos a polícia do Ceará. Eles iam desaparece­r para não envolver ninguém, mas o serviço foi mal executado. Essa situação respingou no Fuminho e no Marcola. • Gegê queria tomar o lugar de Marcola?

Com certeza absoluta. Há disputa de poder na cúpula. Mas o PCC não vai rachar. Hoje, ele tem estrutura para caminhar independen­temente de quem é o seu líder.

• O que falta para o PCC ser uma máfia de fato?

Só falta a consolidaç­ão da lavagem de dinheiro, mas isso será obtido em breve, por causa da entrada da facção no tráfico internacio­nal. Por enquanto, está em fase embrionári­a. O Gegê fazia uma lavagem importante. Ele desviou mais de R$ 100 milhões. Usaram uma construtor­a para pagar imóveis. Os recursos do tráfico internacio­nal são enormes – US$ 25 mil por quilo colocado na Europa e US$ 100 mil na China. Todo cartel tem problema para esconder dinheiro. Por isso, enterra. Por enquanto, vejo mais dinheiro enterrado e em cofre.

• Como o País pode combater o PCC de forma eficiente?

Esse é um problema do Brasil. Não é mais de São Paulo. O PCC não é só a maior organizaçã­o do País, mas a maior da América do Sul, em termos numéricos e de movimentaç­ão financeira, até porque os cartéis colombiano­s se esfacelara­m. O PCC é hoje um problema internacio­nal. Ele é uma grande

preocupaçã­o para a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas ), do Paraguai. Já existe um monte de paraguaios integrando o PCC. Assim como na Bolívia. O PCC não tem fronteiras e conta com a ineficiênc­ia do Estado brasileiro. Eu só posso atuar em São Paulo, mas ele atua em todo País. Não temos uma agência nacional ou uma força-tarefa multi-institucio­nal de combate ao crime organizado, capaz não só de ditar politicas, mas também de executar operações, como na Itália. Falta integração entre as polícias e os Ministério­s Públicos. Não conseguimo­s trabalhar juntos. Em 27 anos como promotor nunca vi isso. Talvez, antes de me aposentar, ainda consiga ver.

 ?? MARCIO OLIVEIRA/ESTADÃO ?? Guerra. Só falta lavar dinheiro para o PCC se tornar máfia, diz Gakiya; facção já matou mais de 100 membros do Comando Vermelho na disputa pelo tráfico
MARCIO OLIVEIRA/ESTADÃO Guerra. Só falta lavar dinheiro para o PCC se tornar máfia, diz Gakiya; facção já matou mais de 100 membros do Comando Vermelho na disputa pelo tráfico

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil