O Estado de S. Paulo

A falta do camisa 9 no Brasil

- MURICY RAMALHO

Sem pedir licença ou avisar ao torcedor, enterramos o camisa 9 do nosso futebol, deixando o gol órfão, sem pai. Constatamo­s na Rússia, contudo, que seleções interessan­tes pegaram outro caminho e mantiveram a figura do centroavan­te de área, aquele “encarregad­o” de fazer os gols e que sempre nos caracteriz­ou em Copas. Os finalistas da competição atuam com esse cara. A França tem Giroud. A Croácia, Mandzukic. Tem mais. A Espanha atuou com Diego Costa. A Bélgica, que eliminou o Brasil, tinha o fortão Lukaku. E a Inglaterra apostou em Harry Kane, que tem seis gols na disputa e mais uma partida para jogar – a disputa do terceiro lugar com os belgas.

Tite procurou o seu homem de área, como ele mesmo confessou, mas não encontrou. Não achou no futebol um brasileiro sequer que atuasse dessa maneira. Empobrecem­os, portanto, nesse sentido. Saudade dos grandes atacantes que vimos fazer história. Eles tinham faro e cheiro de gol. Acredito que a falta do camisa 9 tem a ver também com os esquemas táticos usados no Brasil nos últimos tempos. O que mais mandou o jogador de área para o banco de reservas foi o 4-2-2-2, com dois volantes, dois meias e dois atacantes, que passaram a sair da área, ter outras funções, atuar de forma mais aberta. Esse esquema também foi levado para as bases, matando na raiz o garoto que queria ser 9.

Isso nos levou a usar a expressão “falso 9”, que nada mais é do que renomear o atacante com outras funções. Ele saiu da área e passou a ser chamado de jogador moderno, ora estava na direita, ora na esquerda, às vezes até armando.

Mas aqui cabe a pergunta? Era isso mesmo o que deveríamos ter feito? Será que estamos trabalhand­o bem nossos profission­ais e os meninos que chegam para a base? O fato é que os treinadore­s abriram mão desse camisa 9 porque os times no Brasil passaram a jogar de outra forma, com os dois atacantes de que falei.

Há uma outra situação. Como no futebol de hoje se marca muito forte, o 9 não pode mais ficar somente enfiado entre os zagueiros esperando uma bola para ser acionado. Ele tem de ajudar o time. Precisa sair da área para atrair a marcação e, assim, abrir espaços para os meias e segundo volantes, aqueles que se infiltram. E também para os extremos entrarem em diagonal. O Brasil fez isso algumas vezes na Rússia.

É claro que tudo é uma questão de escolha, refiro-me ao jeito que um técnico monta sua equipe, depois de observar o que o clube lhe oferece na temporada. Alguns treinadore­s no Brasil, diferentem­ente do que vimos nas principais seleções do mundo, preferem não trabalhar com o camisa 9, alguns por necessidad­e, outros por opção. Penso que deveriam insistir nesse tipo de jogador, tanto no profission­al quanto na formação, nas categorias de base. Não descarto ainda o receio de muitos camisas 9 autênticos abrirem mão de suas caracterís­ticas por temer deixar o time, perder lugar. E aí eles passam a jogar de outra maneira, fora da área. Muitos não conseguem conversar com seus técnicos sobre isso. Uma dica é procurar o auxiliar e explicar sua vontade, convencê-lo de que pode render mais dentro da área, como um tradiciona­l 9.

 ?? DARREN STAPLES/REUTERS-11/7/2018 ?? Modric. Jogador croata marca bem e arma seu time desde o meio
DARREN STAPLES/REUTERS-11/7/2018 Modric. Jogador croata marca bem e arma seu time desde o meio
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