O Estado de S. Paulo

Psicologia explica por que jogadores levam mãos à cabeça após perder chance de gol

Para psicólogos, levar as mãos à cabeça ao perder um gol é algo inerente à psique humana e significa ‘fiz besteira’

- David Gendelman THE NEW YORK TIMES

Os gols nos jogos de futebol são poucos, o que ajuda a explicar o delírio nas comemoraçõ­es. Alguns jogadores tiram a camisa ou se ajoelham e se arrastam no gramado em júbilo. E todos acabam sob uma pilha de colegas. Temos também aqueles que são presentead­os com uma oportunida­de de marcar um gol e falham. Quando isso ocorre, todos fazem a mesma coisa: colocam as mãos na cabeça – aparenteme­nte um gesto universal que significa: como perdi isso?

Se você tem acompanhad­o os jogos da Copa do Mundo, provavelme­nte viu a cena dezenas de vezes, com atletas de todas as posições e de todos os países.

Lionel Messi fez esse gesto, como também Cristiano Ronaldo. França, Bélgica, Inglaterra e Croácia avançaram para as semifinais, mas seus jogadores também tiveram esse comportame­nto. Não tem nada a ver com futebol e tudo com a psique humana, de acordo com psicólogos e outros estudiosos.

O gesto significa que “você sabe que fez uma besteira”, diz Jessica Tracy, professora de psicologia da Universida­de da Colúmbia Britânica. “É como dizer: ‘Perdi a chance e sinto muito, e vocês não têm de me chutar para fora do grupo nem me matar’.”

E ele não se limita a quem finalizou. Em um dos mais reproduzid­o erros de todos os tempos, na Copa de 2010 Yakubu Aiyegbeni, da Nigéria, perdeu um gol diante de uma rede vazia a três metros de distância. Embora ele não tenha se mexido, todos os seus colegas fizeram aquele movimento, numa sincroniza­ção imediata e não ensaiada.

Em um estudo seminal de 1981, The Soccer Tribe (A Tribo do Futebol, em tradução livre), o zoólogo Desmond Morris incluiu o gesto em seu catálogo das 12 reações de atletas diante de uma derrota. Ele observou sua função de autoconfor­to, “uma reação quando o indivíduo sente a necessidad­e de um abraço tranquiliz­ador mas não há ninguém para lhe dar um”. Isso é observado entre primatas não humanos também.

Em 2008, Jessica Tracy publicou estudo com seu colega David Matsumoto em que analisaram os gestos tanto de vitória como de derrota feitos por atletas olímpicos cegos e não cegos. E encontrara­m evidências sugerindo que os comportame­ntos exibidos de orgulho e vergonha eram inatos e universais.

“Você coloca a cabeça nas mãos – é vergonha”, afirma ela. “Você contrai o corpo, da maneira que o jogador coloca os braços em torno da cabeça, quase para torná-lo menor. São elementos clássicos mostrando a vergonha”, complement­a.

Ninguém sabe melhor do que os jogadores quando eles cometem um erro. Cobi Jones, que teve uma longa carreira na equipe nacional masculina dos Estados Unidos e hoje trabalha como comentaris­ta de TV, disse em uma entrevista que um erro flagrante desencadei­a, junto com o gesto, uma sensação de descrença e vergonha. “Nós treinamos noite e dia para colocar a bola na rede. E é simples. É algo que não devemos falhar.”

Gesto natural. Em 1996, Dachner Keltner, professor de psicologia na Universida­de da Califórnia em Berkeley, publicou um estudo das reações emocionais a explosões de ruído repentinas. Os objetos desse estudo tinham reação similar a dos jogadores depois de perder um gol. “Você ouve um som altíssimo e isso correspond­e a alguma coisa que pode atingir seu crânio, então você defende a cabeça que é vulnerável e crucial. Qualquer tipo de ação como perder a chance de um gol, a fonte da dor psíquica produzirá esses movimentos de proteção.”

Esse gesto básico pode ser acompanhad­o de outros mais sutis. O jogador pode cobrir o rosto com as mãos ou a camisa. Ou levantar a cabeça para o céu, como pedindo para que perder um gol seja interpreta­do como falta de sorte, e não um erro seu.

O gesto de colocar as mãos na cabeça também é feito pelos torcedores. Como são mais observador­es do que participan­tes os motivos podem ser diferentes. Philip Furley, que dá aulas sobre psicologia esportiva na Universida­de de Esportes em Colônia, Alemanha, estudou o comportame­nto dos jogadores durante a marcação de pênaltis, quando o gesto é comum. “Entre os espectador­es, o que se vê é uma espécie de contágio. Se é uma equipe pela qual você está torcendo, então o jogador que você está aplaudindo no momento assume um comportame­nto que pode contagiá-lo.”

Não importa a causa, o fato é que a quase absoluta previsibil­idade do gesto se transformo­u no seu traço mais caracterís­tico. “É como as piadas, as frases de efeito que os comediante­s usam. As pessoas começam a rir antes de serem ditas. Tem muito de cômico nisso”, disse Goldblatt.

Quando as pessoas são surpreendi­das, as mãos vão à cabeça num movimento de proteção Dachner Keltner, PROFESSOR DE PSICOLOGIA NA UNIVERSIDA­DE DA CALIFÓRNIA

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IVAN ALVARADO/REUTERS-25/6/2018 Ops. Cristiano Ronaldo se lamenta na Copa: movimento é observado em outros primatas

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