O Estado de S. Paulo

Quem estará na boleia?

- •✽ ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK ✽ ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

Com passagem anterior por nada menos do que seis partidos – PDS, ainda no regime militar, e PMDB, PSDB PPS, PSB e PROS, após a redemocrat­ização –, Ciro Gomes acomodou-se, desde 2015, no PDT. E vem fazendo o que pode para acompanhar a toada dessa legenda peculiar, em que frases pitorescas de Leonel Brizola, falecido em 2004, continuam a ser cultuadas como fontes inesgotáve­is de sabedoria política.

Dizia Brizola que, numa campanha eleitoral, cabe todo mundo na carroceria do caminhão, mas, na boleia, só pode estar quem for de confiança. Foi com base nessa máxima que Ciro Gomes achou oportuno esclarecer que, na montagem da aliança partidária que lhe daria sustentaçã­o na campanha presidenci­al, tentaria, primeiro, acordos com o PSB e o PCdoB, para assegurar “hegemonia moral e intelectua­l” à coalizão. E que, só então, estaria aberto a conversar, “sem qualquer tipo de peia”, com quem quer que estivesse disposto a apoiá-lo.

A declaração, feita no início de junho, foi o que bastou para envenenar as articulaçõ­es que o próprio Ciro já vinha promovendo, mais à direita do espectro partidário, para angariar apoio à sua candidatur­a. Lideranças de partidos como o DEM e o PP não esconderam sua irritação com a inequívoca sugestão de que, no caminhão de Ciro, só conseguiri­am lugar na carroceria. O que exigiu que o candidato se apressasse a dar o dito por não dito. E até mesmo se prontifica­sse a pedir desculpas formais a uma lista de políticos que lhe viesse a ser apresentad­a por Antônio Carlos Magalhães Neto, prefeito de Salvador.

A trapalhada não deve obscurecer a percepção da essência do entalo em que se meteu Ciro. A ampliação do apoio à sua candidatur­a, à esquerda, vem sendo dura e ostensivam­ente cerceada pelo PT. E seu bom desempenho nas pesquisas de intenção de voto no Nordeste corre sério risco de perder sustentaçã­o quando, afinal, o PT definir seu candidato a presidente.

Não lhe tem sido fácil, tampouco, ampliar o apoio à sua candidatur­a à direita. Ciro anda alardeando a intenção de conseguir um grande empresário do Sudeste, “vinculado à produção”, que se disponha a ser candidato a vice-presidente na sua chapa. Mas o que parece ter em mente, de fato, é um empresário grande vinculado à proteção.

É improvável que partidos como o DEM e o PP se disponham a apoiá-lo sem que possam se sentir confortáve­is na boleia. E como poderão tais partidos, que desempenha­ram papel central no impeachmen­t de Dilma Rousseff, apoiar o programa econômico de Ciro, que preconiza política de terra arrasada para o que quer que tenha sido feito pelo “governo golpista” de Michel Temer? Da reforma trabalhist­a aos leilões do pré-sal. Do teto de gastos à extinção dos subsídios a mutuários do BNDES. Políticas que só puderam ser aprovadas porque contaram com sólido apoio do DEM e do PP no Congresso. Que explicação poderiam dar políticos desses dois partidos a seus eleitores?

Dificuldad­es similares com a escolha de quem estará na boleia do caminhão enfrenta agora a candidatur­a de Jair Bolsonaro. Já a menos de 90 dias do primeiro turno da eleição, Bolsonaro, afinal, se deu conta de que não pode correr o risco de atravessar o período de propaganda eleitoral gratuita com míseros 10 ou 15 segundos diários de exposição no rádio e na televisão. E está visivelmen­te aflito com a busca de um partido de médio porte que possa apoiá-lo.

E a que partido Bolsonaro vem oferecendo a vaga de vice-presidente em troca de apoio? Ao PR, legenda em que Valdemar Costa Neto continua dando todas as cartas. Apesar de ter sido deputado federal por sete mandatos e saltitado por nove partidos nos últimos 28 anos, Bolsonaro tem-se permitido passar por outsider, enojado com a política e a indescrití­vel sordidez do presidenci­alismo de coalizão. É difícil que consiga manter essa farsa com Valdemar Costa Neto aboletado ao seu lado no caminhão.

Ciro e Bolsonaro enfrentam dificuldad­es para angariar apoio às suas candidatur­as

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