O Estado de S. Paulo

Sorriso fácil e samba sobre o cotidiano, Zeca é gente como a gente

- Pedro Antunes

Acada degrau vencido, Zeca Pagodinho parecia desmontar. Desanimado, fazia seus passos ressoarem, preguiçoso­s, pelo segundo andar de um restaurant­e chique na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Naquela manhã de setembro de 2010, Zeca recebera a notícia da morte do amigo de infância dele, sambista Deni de Lima. Murchinho, ele tentou esboçar um sorriso. “Por favor, um chope para mim e outro para o garoto aqui”, disse ele, ao garçom. Com o copo suado em mãos, levou-o à boca, deu algumas goladas e, ao olhar para o repórter, disse: “É bom para molhar a palavra. Vamos começar a entrevista?”.

Ali, Zeca Pagodinho estava fora do seu hábitat. Pouco tocou no chope que, já quente, permaneceu esquecido na mesa enquanto ele falava, meio ranzinza, sobre o disco que lançava na época, chamado Vida da Minha Vida, afirmava gostar de Los Hermanos e sobre a decisão de parar de fumar.

Bem diferente do Zeca que recebeu a reportagem na casa dele em Xerém, rodeado de amigos sambistas, sob o olhar de uma enorme estátua de São Jorge posicionad­a na entrada do sítio de Duque de Caxias. Falante, distribui abraços com o copo cheio de cerveja à mão, sem desperdiçá-la. Em março de 2012, reuniu uma turma de compositor­es e sambistas, famosos como Jorge Aragão ou à época desconheci­dos, caso de Zé Roberto, que integravam o time do álbum Quintal do Pagodinho.

Churrascão, amigos, cerveja, sol forte na cuca. Aí, sim, Zeca Pagodinho era ele mesmo. Feliz, colocava foco nos novos compositor­es, como fizeram por ele, na época que surgiu nos encontros dominicais do bloco Cacique de Ramos. Assim como foi apresentad­o ao público por Beth Carvalho, quis retribuir o favor.

Isso diz muito sobre quem é Zeca Pagodinho, o artista, cujas vivências artísticas e pessoais se entrelaçam de tal forma que é impossível desassociá-las. Sujeito de gostos simples, de família, leal aos amigos. Deixou Xerém – foi com a família para Barra da Tijuca – mas manteve lá suas raízes e seu sítio. Em 2013, foi visto auxiliando moradores da região que sofreu com as fortes chuvas daquele verão.

Magricelo que só, estampou com seu rosto de sorriso de lado no seu primeiro disco, lançado lá em 1986. Antes disso,gravou um samba seu (criado com Arlindo Cruz e Beto Sem Braço) três anos antes, a convite de Beth Carvalho. Com Camarão que Dorme a Onda Leva, Zeca exibia sua linguagem coloquial, de impacto fácil. Virou hit. Zeca Pagodinho, o disco, traz consigo mais sucessos que integram até hoje o repertório do artista. São dele, por exemplo, SPC (aquela do “vou sujar seu nome no SPC”), Coração em Desalinho, Quando Eu Contar (Iaiá), Brincadeir­a Tem Hora...

Zeca nunca foi cantor daqueles que empossam a voz, usam o diafragma. Seu papel é outro: traz a realidade na qual vive ainda hoje para o samba. Seu sucesso é estrondoso porque poucos do samba foram capazes de ser tão “gente como a gente”. Ao longo da carreira, soube entender como seu som não precisa de excessos. Ganha o ouvinte pelas histórias contadas ali. Ouvir Pagodinho é se sentir na roda de samba ao lado dele, de olho nos personagen­s que ganham vida nas suas palavras cantadas por ele e pelos amigos. Quando está entre os seus, é só sorriso e piadas. O Zeca dos discos é tão real quanto eu e você.

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