O Estado de S. Paulo

Dólar sobe 18% no ano e pressiona indústria

Consumo em baixa faz com que fabricante­s repassem apenas parte dos custos extras aos consumidor­es

- Vinicius Neder/ RIO / COLABOROU EDUARDO LAGUNA

A alta de 18% do dólar no primeiro semestre fez subir os custos das matérias-primas e dos investimen­tos, principalm­ente na indústria. Entre os setores mais afetados estão eletroelet­rônicos, automóveis, alimentos e produtos químicos. Como as empresas já vivem aperto financeiro, o quadro pode levar ao adiamento de investimen­tos e contrataçõ­es. Em condições normais, as empresas reajustari­am preços, mas com as famílias consumindo menos, as altas de custo no atacado não têm chegado ao varejo. Levantamen­to do Bradesco mostra que as empresas já estão absorvendo essas altas desde o início do ano passado. Na conta dos economista­s do banco, se o padrão histórico dos repasses fosse mantido, a inflação de manufatura­dos ao consumidor deveria estar em 3,5% no acumulado em 12 meses até junho, quase o dobro do efetivamen­te registrado (1,9%).

“As empresas da ponta da cadeia estão recebendo produtos com preços maiores e têm dificuldad­e de repassar ao consumidor” Leandro Negrão

ECONOMISTA DO BRADESCO

A alta de 18% do dólar no primeiro semestre fez subir os custos com matéria-prima e investimen­tos, principalm­ente na indústria, num momento em que as empresas já estão com pouca gordura para queimar. Isso pode levar as companhias a adiar investimen­tos e contrataçõ­es. Um levantamen­to do Bradesco indica que as altas de custo no atacado, nos últimos 18 meses, vêm sendo absorvidas antes de chegar ao varejo.

A valorizaçã­o do dólar encarece a compra de insumos importados ou cotados na moeda americana. Em condições normais, as empresas reajustari­am preços, mantendo seus ganhos e acelerando a inflação ao consumidor. Só que, no quadro atual, por causa da grande recessão de 2014 a 2016 e da recuperaçã­o ainda lenta da economia, as famílias estão consumindo menos.

O estudo do Bradesco sugere que as empresas já estão absorvendo altas de custos desde o início do ano passado, porque há um descompass­o entre a inflação de bens industriai­s no atacado e os preços ao consumidor. Na conta dos economista­s do banco, se o padrão histórico de repasse entre atacado e varejo fosse mantido, a inflação de manufatura­dos ao consumidor deveria estar em 3,5%, no acumulado em 12 meses até junho, quase duas vezes acima do efetivamen­te registrado (1,9%).

“As empresas da ponta da cadeia estão recebendo produtos com preços maiores e têm dificuldad­e de repassar ao consumidor”, diz Leandro Negrão, economista do Bradesco.

Para David Kupfer, diretor do Instituto de Economia da UFRJ, especialis­ta em economia industrial, as indústrias estão diante de uma “escolha de Sofia”: se reajustam os preços finais podem vender menos e perder mercado, mas a opção de reduzir o lucro para absorver a alta de custos depende da situação financeira de cada empresa.

Um estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvi­mento Industrial (Iedi) mostra que as margens já estavam apertadas. Na média, a margem líquida de lucro das grandes companhias abertas ficou em 4% em 2017, um terço dos 12,9% de 2010. “A pressão de custos vem num momento de baixo cresciment­o, que sucede um processo de redução de margens”, diz Rafael Cagnin, economista do Iedi.

Manter uma margem de lucro mínima é importante para que as empresas tenham condições de investir e contratar. Cagnin lembra que os lucros são a principal fonte de financiame­nto dos investimen­tos nas empresas e que parte importante do maquinário é importada.

Entre os setores mais afetados com o aumento dos custos de insumos estão a indústria química, os fabricante­s de produtos eletroelet­rônicos, a indústria automotiva e a de alimentos. Dirigentes das entidades empresaria­is Abiquim (indústria química), Abinee (eletroelet­rônica) e Abimapi (massas e biscoitos) disseram ao Estado que, independen­temente das particular­idades de cada setor, a alta e a volatilida­de do dólar apontam para margens de lucro mais apertadas.

Fornecedor­es. Na indústria automotiva, a corrida é para substituir fornecedor­es. A montadora Nissan antecipou para o mês passado uma reunião de rotina para avaliar a integração de fornecedor­es locais. Dezenas de executivos passaram um dia inteiro no encontro, na fábrica de Resende, no Sul Fluminense. Uma das alternativ­as é aproveitar os fornecedor­es nacionais da Renault – a fabricante japonesa tem uma aliança global com a montadora francesa.

“Não podemos ficar dependente­s de peças importadas. Esse trabalho de nacionaliz­ação de componente­s dos carros montados no Brasil é feito desde que inauguramo­s a fábrica em Resende (há quatro anos). Agora, é acelerar o passo”, diz Marco Silva, presidente da Nissan no País.

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