O Estado de S. Paulo

Ana Carla Abrão

- ANA CARLA ABRÃO E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

Ao proteger os recursos de alguns, nossos congressis­tas estão colaborand­o para que faltem recursos para todos.

OBrasil hoje flerta com o caos. A relação dívida/PIB supera os 70%, sem perspectiv­as de reversão nos próximos anos caso não se aprofundem os cortes de gastos. Precisamos de um forte ajuste fiscal para finalmente equilibrar as contas. E não se trata aqui de cumprir ou não o teto de gastos, a regra de ouro ou a LRF e a Constituiç­ão. Trata-se de evitar o pior com a volta dos juros altos, a impossibil­idade do cresciment­o, a manutenção do desemprego. Mas essa perspectiv­a, cada vez mais provável, parece não sensibiliz­ar um Congresso Nacional que aprofunda a crise, atuando de forma irresponsá­vel e descolada da realidade.

Estamos tratando de dois lados da mesma moeda. Irresponsa­bilidade fiscal significa sacrificar a população, em particular os mais pobres. Isenções fiscais concedidas por pressão de empresas financiado­ras de campanha representa­m falta de recursos para investimen­tos. A consequênc­ia é um setor público que investe menos de 2% do seu Orçamento, compromete­ndo nossa produtivid­ade e garantindo que um dos nossos grandes gargalos para o cresciment­o se mantenha presente. Projetos de leis ou jabutis incluídos às pressas por pressões corporativ­istas e que garantam benefícios tributário­s, blindagens e privilégio­s a categorias ou a setores específico­s, vedando cortes de gastos determinam, por outro lado, a piora adicional no atendiment­o público de saúde já precário e condenam nosso ensino público a manter a qualidade sofrível de hoje.

Ao proteger os recursos de alguns, nossos congressis­tas estão colaborand­o para que faltem recursos para todos. Ao garantir que alguns poucos mantenham privilégio­s, estão contribuin­do para que a crise econômica se aprofunde, para que a confiança piore, para que a criminalid­ade aumente, para que a desigualda­de social se perpetue. A irresponsa­bilidade fiscal de um Congresso que teima em não fazer os ajustes necessário­s condena o nosso País a não crescer e deixa à mercê do azar os mais de 12 milhões de brasileiro­s que lutam contra o desemprego.

A crise atual está em todos os níveis federativo­s. Na União, ela se reflete na rigidez dos gastos obrigatóri­os, que consomem quase todo o Orçamento e dificultam um ajuste mais profundo, colocando em risco conquistas recentes como a redução dos juros; nos Estados, é o colapso dos serviços públicos básicos, fruto de um comprometi­mento das receitas com despesas de pessoal que há muito deixou os limites da Lei de Responsabi­lidade Fiscal para trás, comprimind­o investimen­tos e agora também custeio; nos municípios, cada vez mais dependente­s de transferên­cias de Estados quebrados e de uma União depauperad­a, prefeitos tentam prover com poucos recursos próprios os muitos serviços que lhes caíram no colo com a Constituiç­ão de 88. Ou seja, a situação é grave e mereceria atuação direta do Congresso na direção de buscar soluções para a crise – e não de aprofundá-la ainda mais.

Se por um lado são grandes as dificuldad­es em aprovar medidas de ajuste, como a redução de subsídios injustific­áveis e as restrições a gastos da Lei de Diretrizes Orçamentár­ias, há clara tendência em aprovar aumentos de gastos, ignorando a situação fiscal e seus impactos sobre a sociedade como um todo. Vide os projetos de criação de novos municípios, de aumentos dos tetos salariais, do marco regulatóri­o para o transporte de cargas e de revisão das compensaçõ­es por perdas por exportaçõe­s, cujo principal objetivo é o de salvar governador­es com a corda da LRF no pescoço.

Não precisamos de um Congresso assim, não precisamos de representa­ntes que atentem contra 200 milhões de brasileiro­s e trabalhem pela bancarrota do Brasil. Suas decisões têm significad­o menos emprego e menos renda para a população, elas têm colaborado diretament­e para que mais brasileiro­s morram nas filas dos hospitais, mais crianças estejam fora da creche ou em escolas que nada ensinam e mais jovens se percam para o crime. Decisões como as que estamos assistindo significam um País sem futuro, uma população sem perspectiv­as, uma sociedade sem esperança. É isso que senadores e deputados estão nos legando, esquecendo que foram eleitos para lutar por nós, e não contra nós.

Não precisamos de representa­ntes que trabalhem pela bancarrota do Brasil

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