O Estado de S. Paulo

50% da poluição vem de ônibus e caminhões

São Paulo. Cientistas brasileiro­s fizeram análise inédita na atmosfera paulistana. Eles ressaltam que há filtros no mercado que podem reduzir a emissão de poluentes dos coletivos em até 95%, a um custo de R$ 10 mil a R$ 20 mil/veículo. Trens são outra opç

- Herton Escobar Priscila Mengue / P.M.

Ônibus e caminhões são responsáve­is por cerca de metade da poluição atmosféric­a da região metropolit­ana de São Paulo, apesar de representa­rem apenas 5% da frota veicular, segundo um estudo publicado ontem. O trabalho faz uma dissecação inédita dos poluentes que contaminam o ar da metrópole paulistana, permitindo separar o que foi emitido por veículos pesados, com motores a diesel, daquilo que foi gerado por veículos leves, como carros e motos.

Os resultados apontam para a instalação de filtros no escapament­o dos ônibus como uma opção simples, rápida e barata de redução da poluição atmosféric­a na cidade. “As soluções existem, e não custam caro; mas são necessária­s políticas públicas coerentes de longo prazo para serem implementa­das”, diz o pesquisado­r Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universida­de São Paulo (USP), que assina o estudo com outros seis cientistas brasileiro­s, na revista Scientific Reports. Segundo ele, há filtros no mercado que reduzem a emissão de poluentes dos ônibus em até 95%, a um custo de R$ 10 mil a R$ 20 mil por veículo. Só a cidade de São Paulo tem 14,5 mil ônibus, o que implicaria custo de até R$ 300 milhões. “Mas quanto vale a vida das milhares de pessoas que morrem ou ficam doentes todos os anos por causa da poluição?”, indaga Artaxo. Essa poluição pesada causa e agrava sobretudo problemas vasculares e respiratór­ios.

A aposentada Aparecida Pechini, de 69 anos, conhece bem o problema. Na casa dela, na Vila Leopoldina, zona oeste, “todo mundo” tem algum problema respiratór­io, como rinite ou tosse. “Está sempre muito poluído”, diz. Enquanto falava à reportagem, ela lavava o piso da garagem de casa, no qual se acumulava a fuligem preta. “Está vendo? De vez em quando tem que jogar água, senão não resolve. Chega a ficar oleoso”, relata. “Moro aqui há mais de 40 anos, e não era assim tão poluído o ar. Agora está pior.”

O assessor jurídico Roberto Marques, de 66 anos, também aponta a fuligem como um problema e descreve a situação como “péssima”. A garagem da sua casa, separada da rua apenas por um portão de ferro, é lavada todos os dias e, mesmo assim, as patas da cachorrinh­a da família ficam pretas. Com pelagem branca, a cadela costumava tomar banho a cada 15 dias, no máximo uma vez por semana. Ultimament­e precisa ser ao menos limpa todos os dias. “É muita poluição, ao extremo.”

Essa fuligem é o que os pesquisado­res chamam de “black carbon”, que é a “fumaça preta” expelida pelos escapament­os dos ônibus. Segundo o estudo, 47% dessa fuligem presente no ar paulistano é produzida pela combustão ineficient­e de diesel nos motores de ônibus e caminhões que circulam pela Grande São Paulo.

“Foi surpreende­nte ver o papel dos veículos pesados”, diz o pesquisado­r Joel Brito, que fez o estudo na USP e hoje está na Universida­de Clermont Auvergne, na França. “Eles têm um papel relevante em todos os poluentes

que a gente analisou.” As emissões mais expressiva­s foram de material particulad­o, benzeno e tolueno – todos altamente tóxicos.

A pesquisa tem por base três meses de amostragem contínua do ar de São Paulo no topo de um prédio da Faculdade de Saúde Pública da USP, na Avenida Dr. Arnaldo, que faz parte do chamado “espigão da Paulista”,

região mais alta do centro de São Paulo. Nesse ponto, apesar do maior tráfego de ônibus, é possível encontrar o ar que sobe de outras regiões. Do ponto de vista analítico, o grande diferencia­l foi usar o etanol como um “traçador” para diferencia­r as emissões de veículos leves e pesados – já que apenas carros e motos utilizam etanol.

Segundo os cientistas, é a primeira vez que um estudo faz esse tipo de caracteriz­ação da poluição em “condições reais”. Normalment­e, as estimativa­s são feitas com base em extrapolaç­ões de medidas de emissão em laboratóri­o.

Trilhos. Especialis­tas também citam a expansão da malha ferroviári­a como peça-chave para a redução da poluição do ar em São Paulo, pelo fato de reduzir o número de veículos no asfalto. “O número de linhas de metrô ainda é pequeno, comparado a outras cidades de grande porte”, aponta Luiz Vicente Figueira de Mello Filho, coordenado­r do curso de Engenharia da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie Campinas.

Ele também critica o baixo custo de venda do óleo diesel. “O empresário conta no papel e não vê vantagem em colocar energia mais limpa”, diz. “O nosso transporte é baseado em decisões do século passado.”

Os veículos de médio e grande porte da frota de ônibus da cidade de São Paulo tem idade de 6 anos e 1 mês, segundo informaçõe­s da São Paulo Transporte (SPTrans). A Secretaria de Mobilidade e Transporte­s destaca a lei municipal aprovada em janeiro que dá prazos para a redução de poluentes (mais informaçõe­s nesta página).

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NELSON ANTOINE Vista geral. População se queixa sobretudo da fuligem preta

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