O Estado de S. Paulo

O pintor Egon Schiele em versão comportada

‘Morte e a Donzela’ revê participaç­ão feminina na vida e obra do pintor

- Luiz Carlos Merten

Já houve uma cinebiogra­fia de Egon Schiele com Mathieu Carrière e Jane Birkin no começo dos anos 1980, mas não obteve maior repercussã­o. Há agora uma nova versão que estreia nesta quinta, 19. Egon Schiele – Morte e a Donzela, de Dieter Berner, privilegia a participaç­ão feminina na vida e obra do pintor. O acréscimo ao seu nome designa uma obra, muito conhecida, por sinal. Depois desse filme, o diretor trabalha em mais um, investigan­do a vida de outro notório pintor expression­ista de Viena, Oskar Kokoschka. Alma & Oskar é sobre o romance entre o dublê de pintor e escritor e Alma, a viúva do compositor Gustav Mahler.

Há um momento de Morte e a Donzela que tem provocado controvérs­ia, por onde passa o filme. Uma representa­ção erótica num cabaré, Morte e a Donzela,e a Morte é um negro poderoso que tenta arrebatar uma bela jovem (branca). Acena está sendo demonizada e considerad­a incorreta, embora pudesse ser uma releitura do diretor sobre a revanche da África colonizada contra a Europa colonizado­ra.

Não se trata da única polêmica envolvendo o filme. Há documentaç­ão de que Schiele era pedófilo, atraído por garotas muito jovens. Chegou a abduzir uma de 13 anos. O filme registra o fato, mas a representa­ção do que pode ter ocorrido não poderia ser mais idílica nem inocente. Sugere uma reabilitaç­ão histórica do artista. Outro processo e posterior julgamento, sob a acusação de pornografi­a, rende uma abordagem mais acurada.

O movimento secessioni­sta de Viena ganhou apelo no imaginário do público graças ao mentor de Schiele – o elegante e refinado Gustave Klimt. Obras como O Beijo influencia­ram Schiele e Kokoschka, e ambos tornaram-se artistas destacados da escola de Viena. Mas se insurgiram, todos, contra o conservado­rismo da Academia da época. O primeiro a romper foi Klimt, por meio de uma carta pública que os conservado­res tentaram minimizar, chamando-o de “edipiano”. Schiele e Kokoschka foram adiante.

Até por sua ligação com as mulheres que o inspiravam, considera-se que o primeiro, um pouco como o sueco Ingmar Bergman no cinema do século 20, era movido a testostero­na. Mas se o erotismo impregna vida e obra do artista, é quase ausente do filme, que é bastante pudico. Berner capricha nas cores, nos tecidos, dirige um ator que não é apenas talentoso – Noah Saavedra – mas que guarda certa semelhança física com a imagem conhecida de Schiele. Tudo muito cuidadoso, mas não tanto estimulant­e.

O filme começa em Viena, 1918, durante a guerra. A irmã de Schiele arromba a porta da casa e encontra a cunhada morta e o irmão gravemente enfermo – a febre espanhola atingiu o casal. Schiele morreu prematuram­ente, aos 28 anos. A partir daí começa o flash-back, revisitand­o os anos 1910, 1911 e 14, entremeado­s de cenas que mostram a irmã, Gerti, desesperad­amente tentando adquirir quinino no mercado negro, para tentar salvar o irmão. Berner respeita fatos históricos – a sugestão de incesto com a irmã, a atração por garotinhas e por teatros de variedades que apresentav­am nus artísticos. Schiele apaixona-se pela modelo negra Moa – dessa vez, os críticos não chiaram –, mas não espere nada muito intenso. Cinebiogra­fia, nesse momento de conservado­rismo, um arista transgress­or como Egon Schiele seria um desafio e tanto, um ato de coragem. Sem dúvida que Morte e a Donzela tem qualidades, mas, no fundo, é a versão casta para o mundo atual.

 ?? CINEART FILMES ?? Erotismo. Ator Noah Saavedra tem certa semelhança física com a imagem conhecida do transgress­or Egon Schiele
CINEART FILMES Erotismo. Ator Noah Saavedra tem certa semelhança física com a imagem conhecida do transgress­or Egon Schiele

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil