O Estado de S. Paulo

Um conto na neve

- Mônica Nobrega

Bela me ultrapasso­u deslizando numa tal velocidade que temi pela integridad­e do seu corpinho de aparentes 7 ou 8 anos de idade. A menina não conseguia frear os esquis. Torci para que se jogasse logo na neve, o que ela fez antes da curva, para meu alívio. Seu pai, responsáve­l por eu saber o nome da garotinha de tanto ouvi-lo gritar na pista “freia, Bela”, “faz o ‘A’, Bela”, “o formato da pizza, Bela” alcançou a pequena em seguida. Ajudou-a a levantar e a se recompor, e logo partiram novamente, Bela como se não tivesse acabado de dar uma cambalhota na ladeira gelada. Crianças, ao que parece, são de borracha. Enquanto isso, eu tentava ser mais forte que o medo dos meus próprios tombos: já tinha levado dois.

Era a segunda semana da temporada de inverno de 2018 na estação de Valle Nevado, no Chile. O complexo está completand­o 30 anos de funcioname­nto neste 2018. Começou com um hotel e um prédio de apartament­os privados. Hoje, é a maior estação do país. Brasileiro­s somam 55% dos 350 mil hóspedes de cada temporada, segundo Ricardo Margulis, diretor geral do Valle Nevado. Empreendim­entos imobiliári­os são o foco atual dos investimen­tos.

Meu último fim de tarde na estação foi o mais glorioso dos três dias, aquele em que consegui sair da pista dos aprendizes, descer esquiando os 500 metros da pista Camino Bajo e estacionar no ponto de embarque do teleférico Vaiven, que leva aos hotéis. Ao embarcar sozinha na cadeira dupla, eu me sentia a maior esquiadora do mundo.

Mais tarde, descobriri­a o joelho roxo, o quadril ralado, o dedão da mão esquerda batido, as panturrilh­as doloridas. Diferentem­ente das crianças, adultos não são de borracha. Temos ossos e receios rígidos. Nada disso, no entanto, me tirou o gostinho de conquista e de quero mais.

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