O Estado de S. Paulo

Receita vai fiscalizar dinheiro vivo declarado por políticos

Suspeita é de que candidatos declaram valores em espécie inexistent­es para viabilizar lavagem e caixa 2

- BRASÍLIA / FELIPE FRAZÃO, ADRIANA FERNANDES, FABIO SERAPIÃO e THIAGO FARIA

Em conjunto com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (Coaf) vão fiscalizar suspeitas de uso de dinheiro em espécie para caixa 2 de campanha nas eleições. A suspeita, segundo os investigad­ores, é de que candidatos declaram à Justiça Eleitoral e ao Fisco ter em seu poder valores em espécie, mas a informação seria falsa. A declaração visaria a transforma­r, ao final da campanha, eventuais sobras financeira­s em dinheiro próprio. A declaração também serviria para encobrir a utilização de recursos de origem ilícita no custeio de despesas eleitorais. Em 2014, na última eleição presidenci­al, foram declarados R$ 300 milhões em dinheiro por 7,6% do total de candidatos. Em 2016, quando foram eleitos prefeitos e vereadores, 12,28% dos 497.697 candidatos em todo o País declararam ter R$ 1,679 bilhão em espécie.

A Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (Coaf), juntamente com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), vão reunir esforços para fiscalizar suspeitas de uso de dinheiro vivo para caixa 2 de campanha nas eleições deste ano. Pela primeira vez, os três órgãos vão atuar preventiva­mente para investigar possível crime de lavagem de dinheiro de candidatos e doadores por meio do uso de recursos em espécie.

A suspeita é de que candidatos façam declaraçõe­s falsas à Justiça Eleitoral e ao Fisco, informando possuir valores em espécie em casa que, na verdade, não possuem. É o chamado “colchão” para lavagem, conforme definem integrante­s dos órgãos de controle. Para investigad­ores, casos assim podem configurar “pré-lavagem de dinheiro”.

A declaração falsa visaria, ao fim da eleição, transforma­r a sobra de campanha em dinheiro próprio ou injetar recurso de origem ilícita para custear os gastos eleitorais.

Em 2014 foram declarados R$ 300 milhões em dinheiro por 7,6% do total de 26.259 candidatos. Já em 2016, quando foram eleitos prefeitos e vereadores, 12,28% dos 497.697 candidatos declararam possuir R$ 1,679 bilhão em espécie (veja quadro).

A doação de empresas para financiar campanhas está proibida desde 2015 por determinaç­ão do Supremo Tribunal Federal. Neste ano, a eleição será financiada por meio dos fundos Eleitoral – que contará com R$ 1,7 bilhão dividido entre os partidos – e Partidário, que terá mais R$ 888,7 milhões, além de doações de pessoas físicas. Os dois fundos são abastecido­s com recursos públicos da União.

Embora o TSE seja o responsáve­l por fiscalizar as eleições, os órgãos de controle vão usar suas técnicas para tentar identifica­r possíveis casos suspeitos com cruzamento de dados. De posse dessas informaçõe­s, a Receita e o Coaf devem informar a Corte eleitoral.

O Estadão/Broadcast apurou que, dentro do TSE, não está descartado até o emprego de eventuais “batidas” na casa de políticos suspeitos para verificar se a pessoa, de fato, guarda os recursos. Pela legislação brasileira, a Receita pode intimar o contribuin­te para provar a informação prestada na declaração e à Justiça Eleitoral sem a necessidad­e de autorizaçã­o judicial.

O trabalho de repasse das informaçõe­s do TSE aos órgãos de controle é quase em “tempo real”, realizado à medida que os candidatos prestarem informaçõe­s cobradas pelo tribunal.

O foco também será o monitorame­nto dos doadores para identifica­r se o repasse eleitoral foi feito por um “laranja”. Será um trabalho bem ágil, de acordo com uma fonte envolvida nas discussões.

Tio Patinhas. O método que será empregado, no caso da Receita, foi testado recentemen­te em Santa Catarina na Operação Tio Patinhas. Em abril, o Fisco mapeou que, em 2017, 621 pessoas haviam declarado manter R$ 1 milhão ou mais guardado dentro de casa. Com base nessas informaçõe­s, os auditores visitaram esses contribuin­tes para saber se realmente o dinheiro existia e qual era a fonte geradora do montante. Após três meses de fiscalizaç­ão, o número de pessoas que declararam manter a cifra de R$ 1 milhão caiu 55%, de acordo com informaçõe­s divulgadas pela Receita Federal. Os contribuin­tes pegos na fiscalizaç­ão acabaram retificand­o a declaração do Imposto de Renda ou diminuindo e até mesmo zerando o valor declarado em espécie. Da mesma forma, ao longo da eleição, a Receita pretende mapear candidatos que declararem esses valores para depois checar a veracidade das informaçõe­s e a origem do dinheiro, segundo fontes.

Coaf. Outra frente é o mapeamento de transações suspeitas às vésperas do pleito. Para acompanhar possíveis saques e depósitos vultosos, o Coaf deve monitorar transações envolvendo contas de políticos, partidos e prestadore­s de serviço para fiscalizar casos suspeitos de lavagem e corrupção.

O Coaf manterá, ao longo da disputa eleitoral, uma sala de situação com a participaç­ão de diversos outros órgãos para monitorar as transações suspeitas. Assim como no caso da Receita, ao verificar algum tipo de movimentaç­ão suspeita, o Coaf vai encaminhar os dados ao TSE para que os políticos sejam autuados. A equipe ficará a partir deste mês até a fase de prestação final de contas.

Da sala de situação participam também representa­ntes da área de inteligênc­ia do Ministério Público Federal, Polícia Federal, Receita e Tribunal de Contas da União (TCU).

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